— Em todas as épocas os filósofos se apropriaram das teses dos perscrutadores de homens (moralistas) e as estragaram, tomando-as incondicionalmente e querendo demonstrar como necessário o que eles viam apenas como indicação aproximada ou como verdade de uma década, própria de uma região ou cidade — quando justamente dessa forma acreditavam se pôr acima deles. Assim, na base das célebres doutrinas schopenhauerianas do primado da vontade sobre o intelecto, da imutabilidade do caráter, da negatividade do prazer — que são todas erradas, tais como seu autor as entendia — encontraremos verdades populares, assentadas pelos moralistas. Já o termo “vontade”, que Schopenhauer converteu em designação comum de muitos estados humanos e inseriu numa lacuna da língua, com grande vantagem para si mesmo, enquanto moralista — pois ficou livre para falar da “vontade” tal como Pascal havia dela falado —, já a “vontade” de Schopenhauer resultou numa desgraça para a ciência em suas mãos, graças ao furor filosófico da generalização: pois dessa vontade faz-se uma metáfora poética, quando se afirma que todas as coisas da natureza teriam vontade; por fim, com o objetivo de aplicá-la em toda espécie de disparate místico, foi mal utilizada para uma reificação falsa — e todos os filósofos da moda repetem e parecem saber exatamente que todas as coisas têm uma vontade, e mesmo que são essa vontade (o que, segundo a descrição que se faz dessa vontade-toda-uma, significa tanto quanto querer absolutamente o estúpido Diabo como Deus).
Friedrich Nietzsche, em Humano, demasiado humano
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