Maridos e Mulheres de Woody Allen. A mesma história, os mesmos diálogos, os mesmos perdidos e achados, a mesma infalível previsibilidade. Uma câmara trémula, instável, como um vídeo de família, constantemente atrasada em relação ao princípio do plano, logo correndo para agarrar o tempo, dividida entre a ansiedade de registar integralmente o momento, antes de o deixar ir-se, e o impossível desejo de tornar atrás, à procura do gesto, do olhar, da palavra que ficaram por captar e sem os quais, agora, parece falto de coerência e de sentido o que se está contando. Estes homens e estas mulheres de Woody Allen, sempre idênticos nos encontros e desencontros das suas vidas, fizeram-me pensar nos átomos de Epicuro. Imersos no mesmo vazio, caindo, caindo sempre, mas subitamente derivando na direcção de outros átomos, de outros homens e mulheres, tocando-os ao de leve ou a eles se reunindo, e depois outra vez livres, soltos, solitários — ou caindo juntos, simplesmente…
José Saramago, em Cadernos de Lanzarote
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