domingo, 1 de dezembro de 2024

Delírios

O analista de Bagé às vezes se cansa da profissão – “O que me aparece de louco, tchê!” –, mas sempre diz que consultório de psicanalista, em matéria de tipos humanos interessantes, é “más variado que a baldeação em Cacequi”. Só é preciso ter um pouco de paciência. Como na vez em que a Lindaura introduziu no consultório um homenzinho que se apresentou como “João Figueiredo” e em seguida se identificou: “Presidente”.
Buenas. Se abanque, no más.
Qual é a sua patente? – perguntou o homenzinho, recusando-se a deitar no divã coberto com um pelego.
Pos é daquelas branca, tchê. Não reparei na marca.
Digo, patente militar.
Dei baixa como cabo.
Fique sabendo que nem o ministro da Guerra manda em mim.
Mas eu sou do FMI! – disse o analista, levantando o homenzinho e atirando-o em cima do divã.
Foi um caso difícil e no fim do tratamento o homenzinho se declarou curado do delírio de grandeza. Disse que seu nome era Pinto e trabalhava com miudezas.
Mas na saída, depois da última sessão, agradeceu ao analista efusivamente e, puxando-o por um braço, segredou:
Escuta. Quem vai escolher o meu sucessor sou eu. Se você quiser...
O analista puxou o homenzinho de volta e o atirou de novo no pelego. Quando a Lindaura veio ver o que estava acontecendo, encontrou o analista arregaçando as mangas. Ele perguntou:
Quem é o próximo?
Um édipo salteado que não larga avó.
Suspende!

* * *

Outra vez um paciente com alucinação não chegou nem a começar o tratamento.
Entrou no consultório e dali a pouco foi posto porta afora pelo analista, aos gritos de “Te enxerga, ó bosta!”.
O que foi? – quis saber a Lindaura.
Esses louco tão se passando...
Esse disse que era quem?
O Freud!
E ficou resmungando.
Mas não respeitam mais nada!

Luís Fernando Veríssimo, em Histórias do Analista de Bagé

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