Esta
é uma declaração de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é
fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada
pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de
reagir às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que
temerariamente ousam transformá-la numa linguagem de sentimento e de
alerteza. E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro desafio
para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e
das pessoas a primeira capa de superficialismo.
Às
vezes ela reage diante de um pensamento mais complicado. Às vezes se
assusta com o imprevisível de uma frase. Eu gosto de manejá-la —
como gostava de estar montada num cavalo e guiá-lo pelas rédeas, às
vezes lentamente, às vezes a galope.
Eu
queria que a língua portuguesa chegasse ao máximo nas minhas mãos.
E este desejo todos os que escrevem têm. Um Camões e outros iguais
não bastaram para nos dar para sempre uma herança de língua já
feita. Todos nós que escrevemos estamos fazendo do túmulo do
pensamento alguma coisa que lhe dê vida.
Essas
dificuldades nós as temos. Mas não falei do encantamento de lidar
com uma língua que não foi aprofundada. O que recebi de herança
não me chega.
Se
eu fosse muda, e também não pudesse escrever, e me perguntassem a
que língua eu queria pertencer, eu diria: inglês, que é preciso e
belo. Mas como não nasci muda e pude escrever, tornou-se
absolutamente claro para mim que eu queria mesmo era escrever em
português. Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só
para que minha abordagem do português fosse virgem e límpida.
Clarice Lispector, em Crônicas para jovens: de escrita e vida
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