8
Era
preciso preencher mais papéis para sair de lá do que para entrar.
A
primeira folha que lhe davam era uma consideração pessoal,
mimeografada, do Diretor dos Correios da cidade.
Começava
assim:
“Sinto
muito que esteja terminando sua carreira nos Correios e... etc.,
etc., etc.”
Como
ele podia sentir? Nem me conhecia.
Havia
uma lista de perguntas.
“Você
achou os nossos supervisores compreensivos? Foi capaz de se
relacionar com eles?”
Sim,
respondi.
“Você
descobriu nos supervisores algum tipo de preconceito em relação a
cor, religião, formação ou qualquer outro fator relacionado?”
Não,
respondi.
Então
havia uma que dizia: “Você aconselharia seus amigos a procurar
emprego nos Correios?”.
Claro,
respondi.
“Se
você tem alguma decepção ou reclamações a fazer sobre os
Correios, por favor, liste-as em detalhe no verso desta página.”
Nenhum
descontentamento, respondi.
Então
minha garota negra voltou.
— Já
terminou?
— Terminei.
— Nunca
vi ninguém preencher tão rápido esses papéis.
— Depressa
— eu disse.
— Depressa?
— perguntou. — O que quer dizer com isso?
— Quero
dizer, o que temos de fazer agora?
— Por
favor, passe por aqui.
Segui
seu rabo por entre as mesas até um lugar quase nos fundos do prédio.
— Sente-se
— disse um homem.
Levou
algum tempo lendo e percorrendo os papéis. Então olhou para mim.
— Posso
perguntar por que está se demitindo? Há alguma relação com as
medidas disciplinares adotadas contra o senhor?
— Não.
— Então
qual é o motivo de seu pedido de demissão?
— Quero
me dedicar a outra carreira.
— Outra
carreira?
Ele
me olhou. Eu estava a menos de oito meses de completar cinquenta
anos. Sabia o que ele estava pensando.
— Posso
perguntar qual será essa sua “carreira”?
— Bem,
senhor, vou lhe dizer. A estação de caça nas nascentes se estende
apenas de dezembro a fevereiro. Já perdi quase um mês.
— Um
mês? Mas o senhor está aqui há onze anos.
— Tudo
bem, então, joguei onze anos fora. Ainda consigo pegar de dez a
vinte mil em três meses de caça na nascente de La Fourche.
— O
que o senhor faz?
— Capturo
ratos almiscarados, nútria, marta, lontra... guaxinim. Tudo de que
preciso é de uma canoa. Pago vinte por cento do que capturar pelo
uso da terra. Recebo 1,25 pelas peles de rato almiscarado, três
dólares por marta, quatro dólares por martas superiores, 1,50 por
nútria e 25 dólares por lontra. Eu vendo a carcaça do rato
almiscarado, que tem cerca de trinta centímetros, por cinco centavos
para uma fábrica de comida para gatos. Consigo 25 centavos pela
nútria despelada. Crio porcos, galinhas e patos. Pesco bagres. Não
há nada como isso. Eu...
— Esqueça,
sr. Chinaski, já é o suficiente.
Enfiou
alguns papéis na máquina de escrever e os datilografou.
Então
ergui os olhos e dei de cara com Parker Anderson, meu cara no
sindicato, o bom e velho Parker, que fazia a barba e cagava em postos
de gasolina, dava-me agora seu sorrisinho malicioso de político.
— Está
pedindo demissão, Hank? Sabia que você estava maquinando alguma
coisa há onze anos...
— Sim,
estou indo para o sul da Louisiana e vou juntar uma boa quantidade de
riquezas.
— Eles
têm um hipódromo por lá?
— Está
de brincadeira? Tem o Fair Grounds, um dos mais antigos hipódromos
do país!
Parker
tinha consigo um garoto branco — outro neurótico da tribo dos
perdidos —, e os olhos do garoto estavam cobertos de lágrimas. Uma
enorme lágrima em cada olho. Elas não caíam. Era fascinante. Já
tinha visto mulheres se sentarem e me olharem com aqueles mesmos
olhos antes de enlouquecerem e começarem a gritar sobre o grande
filho da puta que eu era. Era evidente que o garoto tinha caído em
uma das muitas armadilhas e que tinha ido correndo até o Parker.
Parker poderia salvar seu emprego.
O
homem me deu mais um papel para assinar e, depois disso, me mandei
dali.
Parker
disse:
— Boa
sorte, meu velho — quando passei por ele.
— Obrigado,
baby — respondi.
Não
senti qualquer diferença. Mas sabia que muito em breve, como
um homem resgatado rapidamente das profundezas do mar, eu seria
vítima de um tipo de descompressão bem particular. Eu era como
aqueles periquitos desgraçados da Joyce. Depois de viver na gaiola
eu tinha saído para o ar livre e voava — como uma bala em direção
aos céus. Aos céus?
Charles Bukowski, em Cartas na Rua

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