sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Cartas na Rua | SEIS


8

Era preciso preencher mais papéis para sair de lá do que para entrar.
A primeira folha que lhe davam era uma consideração pessoal, mimeografada, do Diretor dos Correios da cidade.
Começava assim:
Sinto muito que esteja terminando sua carreira nos Correios e... etc., etc., etc.”
Como ele podia sentir? Nem me conhecia.
Havia uma lista de perguntas.
Você achou os nossos supervisores compreensivos? Foi capaz de se relacionar com eles?”
Sim, respondi.
Você descobriu nos supervisores algum tipo de preconceito em relação a cor, religião, formação ou qualquer outro fator relacionado?”
Não, respondi.
Então havia uma que dizia: “Você aconselharia seus amigos a procurar emprego nos Correios?”.
Claro, respondi.
Se você tem alguma decepção ou reclamações a fazer sobre os Correios, por favor, liste-as em detalhe no verso desta página.”
Nenhum descontentamento, respondi.
Então minha garota negra voltou.
Já terminou?
Terminei.
Nunca vi ninguém preencher tão rápido esses papéis.
Depressa — eu disse.
Depressa? — perguntou. — O que quer dizer com isso?
Quero dizer, o que temos de fazer agora?
Por favor, passe por aqui.
Segui seu rabo por entre as mesas até um lugar quase nos fundos do prédio.
Sente-se — disse um homem.
Levou algum tempo lendo e percorrendo os papéis. Então olhou para mim.
Posso perguntar por que está se demitindo? Há alguma relação com as medidas disciplinares adotadas contra o senhor?
Não.
Então qual é o motivo de seu pedido de demissão?
Quero me dedicar a outra carreira.
Outra carreira?
Ele me olhou. Eu estava a menos de oito meses de completar cinquenta anos. Sabia o que ele estava pensando.
Posso perguntar qual será essa sua “carreira”?
Bem, senhor, vou lhe dizer. A estação de caça nas nascentes se estende apenas de dezembro a fevereiro. Já perdi quase um mês.
Um mês? Mas o senhor está aqui há onze anos.
Tudo bem, então, joguei onze anos fora. Ainda consigo pegar de dez a vinte mil em três meses de caça na nascente de La Fourche.
O que o senhor faz?
Capturo ratos almiscarados, nútria, marta, lontra... guaxinim. Tudo de que preciso é de uma canoa. Pago vinte por cento do que capturar pelo uso da terra. Recebo 1,25 pelas peles de rato almiscarado, três dólares por marta, quatro dólares por martas superiores, 1,50 por nútria e 25 dólares por lontra. Eu vendo a carcaça do rato almiscarado, que tem cerca de trinta centímetros, por cinco centavos para uma fábrica de comida para gatos. Consigo 25 centavos pela nútria despelada. Crio porcos, galinhas e patos. Pesco bagres. Não há nada como isso. Eu...
Esqueça, sr. Chinaski, já é o suficiente.
Enfiou alguns papéis na máquina de escrever e os datilografou.
Então ergui os olhos e dei de cara com Parker Anderson, meu cara no sindicato, o bom e velho Parker, que fazia a barba e cagava em postos de gasolina, dava-me agora seu sorrisinho malicioso de político.
Está pedindo demissão, Hank? Sabia que você estava maquinando alguma coisa há onze anos...
Sim, estou indo para o sul da Louisiana e vou juntar uma boa quantidade de riquezas.
Eles têm um hipódromo por lá?
Está de brincadeira? Tem o Fair Grounds, um dos mais antigos hipódromos do país!
Parker tinha consigo um garoto branco — outro neurótico da tribo dos perdidos —, e os olhos do garoto estavam cobertos de lágrimas. Uma enorme lágrima em cada olho. Elas não caíam. Era fascinante. Já tinha visto mulheres se sentarem e me olharem com aqueles mesmos olhos antes de enlouquecerem e começarem a gritar sobre o grande filho da puta que eu era. Era evidente que o garoto tinha caído em uma das muitas armadilhas e que tinha ido correndo até o Parker. Parker poderia salvar seu emprego.
O homem me deu mais um papel para assinar e, depois disso, me mandei dali.
Parker disse:
Boa sorte, meu velho — quando passei por ele.
Obrigado, baby — respondi.
Não senti qualquer diferença. Mas sabia que muito em breve, como um homem resgatado rapidamente das profundezas do mar, eu seria vítima de um tipo de descompressão bem particular. Eu era como aqueles periquitos desgraçados da Joyce. Depois de viver na gaiola eu tinha saído para o ar livre e voava — como uma bala em direção aos céus. Aos céus?

Charles Bukowski, em Cartas na Rua

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