segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

A leste do Éden | 4


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Sempre me pareceu estranho que são geralmente homens como Adam que têm de bancar o soldado. Ele não gostava de lutar, em princípio, e longe de aprender a amar o combate, como acontece com alguns homens, sentia uma repulsa cada vez maior à violência. Várias vezes seus oficiais tiveram sua atenção voltada para ele, suspeitando de que fingisse doença para escapar ao serviço, mas não fizeram nenhuma acusação. Durante seus cinco anos como soldado, Adam fez mais serviço de patrulha do que qualquer homem no esquadrão, mas se matou algum inimigo foi por acidente ou por ricochete. Sendo um perito em tiro ao alvo e exímio atirador, estava peculiarmente preparado para errar. A esta altura o combate aos índios se tornara algo como um perigoso transporte de boiadas — as tribos eram forçadas a se revoltar, empurradas à luta e dizimadas, e os tristes e taciturnos remanescentes se instalavam em terras estéreis. Não era trabalho agradável, mas, dado o modelo do desenvolvimento do país, tinha de ser feito.
Para Adam, que era um instrumento, que não via as futuras fazendas, apenas as barrigas dilaceradas de seres humanos, era revoltante e inútil. Quando detonava sua carabina para errar, estava cometendo uma traição contra sua unidade e não se importava. A emoção da não violência foi crescendo dentro dele até virar um preconceito como qualquer outro preconceito que anula o pensamento. Infligir qualquer ferimento em qualquer coisa por qualquer propósito se tornou uma aversão para ele. Ficou obcecado com essa emoção, pois se tratava seguramente disso, até que apagava qualquer pensamento possível nessa área. Mas nunca houve nenhuma sugestão de covardia na ficha militar de Adam. Na verdade, ele foi recomendado três vezes e condecorado por bravura.
Quanto mais se revoltava com a violência, mais seu impulso tomava a direção oposta. Arriscou a vida inúmeras vezes para resgatar homens feridos. Ofereceu-se como voluntário para trabalhar em hospitais de campanha, mesmo quando já estava exausto de seus deveres regulares. Era encarado pelos companheiros com desdenhoso afeto e com o medo que os homens têm de impulsos que não compreendem.
Charles escrevia ao irmão regularmente — sobre a fazenda e o vilarejo, as vacas doentes e a égua que deu cria, o pasto aumentado e o celeiro atingido por um raio, a morte de Alice sufocada por sua tuberculose e o posto permanente e remunerado do pai junto ao Grande Exército da República em Washington. Como acontecia com muitas pessoas, Charles, que não conseguia falar, escrevia copiosamente. Descrevia sua solidão e suas perplexidades, e colocava no papel muitas coisas que desconhecia a respeito de si mesmo.
Durante o tempo em que Adam esteve fora, conheceu seu irmão melhor do que jamais conhecera antes ou conheceria depois. Na troca de cartas nasceu uma intimidade que nenhum deles poderia ter imaginado.
Adam guardou uma carta do irmão, não porque a entendesse completamente, mas porque parecia ter um significado oculto que ele não conseguia adivinhar. “Querido irmão Adam”, dizia a carta, “pego a caneta com a esperança de que esteja gozando de saúde” — ele sempre começava assim para embarcar suavemente na tarefa de escrever. “Não recebi sua resposta a minha última carta, mas imagino que tenha outras coisas para fazer — há! há! A chuva chegou no tempo errado e estragou a floração das maçãs. Não haverá muitas para comer no próximo inverno, mas vou guardar o que puder. Esta noite limpei a casa e ela está úmida e coberta de sabão e talvez não tenha ficado mais limpa. Como é que mamãe conseguia conservá-la como fazia, você tem alguma ideia? Não parece a mesma coisa. Algo fica depositado na casa. Não sei o que é, mas não dá para retirar com o esfregão. Mas consegui espalhar a sujeira mais por igual, de qualquer maneira. Há! Há!
Papai lhe escreveu alguma coisa sobre a sua viagem? Foi direto até São Francisco para um acampamento do Grande Exército. O secretário da Guerra vai estar lá e papai deverá fazer a sua apresentação. Mas isso é apenas uma ninharia para papai. Já se encontrou com o presidente três, quatro vezes, foi até cear na Casa Branca. Eu gostaria de conhecer a Casa Branca. Talvez você e eu pudéssemos ir juntos quando voltar para casa. Papai podia nos levar lá por alguns dias e ele gostaria de estar com você de qualquer maneira.
Acho melhor eu procurar uma boa esposa. Esta é uma boa fazenda e, ainda que eu não seja grande coisa, existem garotas que não encontrariam nada melhor do que esta fazenda. O que você acha? Não disse se vem morar em casa quando sair do Exército. Espero que sim. Sinto falta de você.”
A carta parava aqui. Havia um rabisco na página e um borrão de tinta e depois ela continuava a lápis, mas a letra era diferente.
O trecho a lápis dizia: “Mais tarde. Bem, exatamente aqui a caneta teve problemas. A pena quebrou. Vou ter de comprar outra pena no vilarejo, esta está toda enferrujada.”
As palavras começaram a correr mais suavemente. “Acho que eu devia esperar uma nova pena e não escrever a lápis. Só que eu estava sentado aqui na cozinha com o lampião aceso e acho que comecei a pensar e de repente já era tarde — depois da meia-noite, eu acho, mas não cheguei a olhar. O velho Black Joe começou a cocoricar no galinheiro. E então a cadeira de balanço da mãe rangeu como se ela estivesse sentada nela. Sabe que não acredito nessas coisas, mas fiquei perturbado, você sabe como isso acontece às vezes. Acho que vou rasgar esta carta, porque não vale a pena escrever coisas como essas.”
As palavras começavam a correr agora, como se não estivessem saindo suficientemente rápidas. “Se vou jogar fora, tanto faz se a continuo”, a carta dizia. “É como se a casa inteira estivesse viva e possuísse olhos por toda parte e houvesse pessoas por trás da porta prontas para entrar se você olhasse para o outro lado. Isso me deixa arrepiado. Quero dizer — quero dizer — isto é, eu nunca entendi — bem, por que nosso pai fez aquilo. Por que ele não gostou daquele canivete que comprei para ele no seu aniversário. Por que não gostou? Era um bom canivete e ele precisava de um bom canivete. Se o tivesse usado ou até mesmo afiado, ou tirasse do bolso e olhasse para ele — era tudo o que precisava fazer. Se ele tivesse gostado do canivete, eu não teria brigado com você. Eu tive de brigar com você. Parece que a cadeira da minha mãe está balançando um pouco. É só a luz. Não estou ligando para isso. Parece que tem uma coisa que não foi acabada. Como quando a gente deixa um trabalho pela metade e não pode saber o que era. Algo deixou de ser feito. Eu não devia estar aqui. Eu devia estar rodando pelo mundo em vez de sentado aqui numa boa fazenda à procura de uma esposa. Tem alguma coisa errada, como se não tivesse sido acabada, como se acontecesse rápido demais e algo ficasse de fora. Eu é que devia estar onde você está e você aqui. Nunca pensei assim antes. Talvez porque seja muito tarde, é mais tarde do que pensei. Dei uma olhada para fora e é o começo da aurora. Não creio que eu tenha adormecido. Como podia a noite passar tão rápido? Não posso ir para a cama agora. Eu não conseguiria dormir, de qualquer maneira.”
A carta não estava assinada. Talvez Charles tenha se esquecido de que pretendia destruí-la e a enviou. Mas Adam guardou-a por algum tempo, e sempre que a relia ela lhe dava calafrios e ele não sabia por quê.

John Steinbeck, em A leste do Éden

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