quinta-feira, 14 de novembro de 2024

O clarão


O trabalho humano! é a explosão que ilumina meu abismo de tempos em tempos.
Nada é vaidade; à ciência, e avante!” clama o Eclesiastes moderno, isto é, Todo mundo. E no entanto os cadáveres dos maus e dos mandriões tombam sobre o coração dos outros... Ah! se apresse, se apresse um pouco; lá, além da noite, as recompensas futuras, eternas... Escapamos delas?…
O que posso? Conheço o trabalho; e a ciência é lenta demais. Que a prece galopa e a luz pulsa... vejo bem. É simples, quente demais; podem passar sem mim. Tenho meu dever, e o orgulho de o pôr de lado, como tantos outros.
Minha vida está gasta. Vamos! finjamos, preguicemos, ó piedade! E existiremos nos distraindo, sonhando amores prodigiosos e universos fantásticos, nos queixando e discutindo as aparências do mundo, saltimbanco, mendigo, artista, bandido – podre! Na minha cama no hospital, o odor do incenso me voltou tão poderoso; guardador dos aromas sagrados, confessor, mártir…
Nisso reconhecia minha má educação na infância. Mas quê!... Andar meus vinte anos, se os outros andam os seus…
Não! não! no momento me revolto contra a morte! O trabalho me parece leve demais ao meu orgulho; minha traição ao mundo seria um suplício demasiado breve. No último instante, acometeria à direita, à esquerda…
Então – oh! – querida alminha, a eternidade estaria perdida para nós!

Arthur Rimbaud, em Uma temporada no inferno seguido de Correspondência

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