domingo, 6 de outubro de 2024

O desembarque

Enquanto os remos do barco venciam lentamente a correnteza em volta da Ilha dos Frades, eu não sabia para onde olhar. Sentia vontade de permanecer na ilha, mas, ao mesmo tempo, queria seguir em direção àquela cidade que tão magicamente começava a se mostrar. Do barco já era possível vê-la quase inteira, fazendo uma suave curva para abraçar o mar, como um colar de contas em volta do pescoço. Contas que brilhavam à luz do sol, contas verdes da vegetação que descia pelas encostas, contas brancas das grandes casas construídas em cima do morro, contas coloridas das construções que se espalhavam ao pé das encostas e quase se misturavam com o verde e o azul do colo do mar.
Quando o barco ancorou, muitas pessoas se aproximaram falando a língua do Brasil, que, para mim, continuava parecendo mais música do que qualquer outra língua que eu já tinha ouvido. Alguns brancos acompanhavam um ou outro desembarque, mas a grande maioria era de pretos como nós, com tons de pele e aparências tão diferentes uns dos outros que eu imaginava ver uma África inteira em um só lugar, e tinham os rostos tão alegres que até pareciam nos dar boas-vindas. Não senti mais medo de virar carneiro, pois se tantos chegados antes de nós não tinham virado, seria muito azar se acontecesse justo na nossa vez. Havia um grande movimento, não apenas de barcos carregando pessoas, mas principalmente de cargas, caixas e mais caixas, baús e tonéis com mercadorias como frutas, peixes, tecidos e muitas outras coisas que eu não conhecia. Pretos enormes, como eu pouco tinha visto antes, transportavam tudo sobre os ombros, sozinhos ou aos pares, ou até mais que aos pares, dependendo do tamanho e do peso do objeto carregado. Estariam nus se não fosse um pedaço de pano que cobria apenas a região do membro, com os corpos suados brilhando ao sol, fortes e com músculos que dançavam sob a pele conforme o esforço. Trabalhavam cantando, o que era bonito de ver e ouvir, fazendo movimentos muito parecidos, como se tivessem ensaiado. Quando passavam uns pelos outros, eles se cumprimentavam, como em África, e ouvi alguns dizendo Oku ji ni o.
O que mais me impressionou foram as mulheres vendedoras de peixe fresco ou frito, quitutes e refrescos. Eu nunca tinha visto roupas tão bonitas. Dava para perceber que a maioria delas era da África por causa das marcas que tinham no rosto, mas estas eram as únicas evidências, pois se vestiam de um modo tão lindo, tão diferente, que eu nunca teria sido capaz de imaginar. Os cabelos estavam cobertos por turbantes grandes, feitos com tecidos brancos rendados, lisos ou enfeitados com búzios, conchas e contas de todos os tamanhos e de todas as cores. Usavam blusas costuradas sobre os ombros e nas laterais, com o comprimento até a metade das pernas, que ficavam escondidas dentro de saias muito rodadas. Geralmente, tanto a blusa como a saia eram brancas, embora algumas também se vestissem de amarelo, de verde, de azul e de rosa. As blusas, que até pareciam vestidos, eram de um tecido transparente e muito leve, escorregando pelos ombros, enfeitadas com bordados caprichados. Elas também tinham panos jogados sobre um dos ombros, que, mais tarde, eu soube que no Brasil são chamados de pano da costa, da costa da África. O pescoço e os braços eram enfeitados com colares e pulseiras dos mais coloridos, ou então dourados, que atraíam a luz do sol e ficavam ainda mais reluzentes. Algumas mulheres tinham os pés calçados, à moda dos brancos, com sapatos abertos e presos por tiras que subiam pelas pernas em interessantes trançados. Fiquei tão fascinada por elas que só queria saber onde conseguir roupa igual, e tentando guardar na memória cada detalhe, nem prestei muita atenção ao trajeto que fizemos. Só me lembro de ter passado por uma rua estreita e malcheirosa, de onde víamos o interior das casas, de um lado e do outro, algumas transformadas em comércio e outras mantidas como moradia. As pessoas também trabalhavam no meio das ruas, fazendo sapatos, trançando palha, bordando roupas e fabricando chapéus, além de outras atividades, deixando ainda menos espaço para quem passava por elas.

Ana Maria Gonçalves, em Um defeito de cor

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