Enquanto
os remos do barco venciam lentamente a correnteza em volta da Ilha
dos Frades, eu não sabia para onde olhar. Sentia vontade de
permanecer na ilha, mas, ao mesmo tempo, queria seguir em direção
àquela cidade que tão magicamente começava a se mostrar. Do barco
já era possível vê-la quase inteira, fazendo uma suave curva para
abraçar o mar, como um colar de contas em volta do pescoço. Contas
que brilhavam à luz do sol, contas verdes da vegetação que descia
pelas encostas, contas brancas das grandes casas construídas em cima
do morro, contas coloridas das construções que se espalhavam ao pé
das encostas e quase se misturavam com o verde e o azul do colo do
mar.
Quando
o barco ancorou, muitas pessoas se aproximaram falando a língua do
Brasil, que, para mim, continuava parecendo mais música do que
qualquer outra língua que eu já tinha ouvido. Alguns brancos
acompanhavam um ou outro desembarque, mas a grande maioria era de
pretos como nós, com tons de pele e aparências tão diferentes uns
dos outros que eu imaginava ver uma África inteira em um só lugar,
e tinham os rostos tão alegres que até pareciam nos dar
boas-vindas. Não senti mais medo de virar carneiro, pois se tantos
chegados antes de nós não tinham virado, seria muito azar se
acontecesse justo na nossa vez. Havia um grande movimento, não
apenas de barcos carregando pessoas, mas principalmente de cargas,
caixas e mais caixas, baús e tonéis com mercadorias como frutas,
peixes, tecidos e muitas outras coisas que eu não conhecia. Pretos
enormes, como eu pouco tinha visto antes, transportavam tudo sobre os
ombros, sozinhos ou aos pares, ou até mais que aos pares, dependendo
do tamanho e do peso do objeto carregado. Estariam nus se não fosse
um pedaço de pano que cobria apenas a região do membro, com os
corpos suados brilhando ao sol, fortes e com músculos que dançavam
sob a pele conforme o esforço. Trabalhavam cantando, o que era
bonito de ver e ouvir, fazendo movimentos muito parecidos, como se
tivessem ensaiado. Quando passavam uns pelos outros, eles se
cumprimentavam, como em África, e ouvi alguns dizendo Oku ji ni
o.
O
que mais me impressionou foram as mulheres vendedoras de peixe fresco
ou frito, quitutes e refrescos. Eu nunca tinha visto roupas tão
bonitas. Dava para perceber que a maioria delas era da África por
causa das marcas que tinham no rosto, mas estas eram as únicas
evidências, pois se vestiam de um modo tão lindo, tão diferente,
que eu nunca teria sido capaz de imaginar. Os cabelos estavam
cobertos por turbantes grandes, feitos com tecidos brancos rendados,
lisos ou enfeitados com búzios, conchas e contas de todos os
tamanhos e de todas as cores. Usavam blusas costuradas sobre os
ombros e nas laterais, com o comprimento até a metade das pernas,
que ficavam escondidas dentro de saias muito rodadas. Geralmente,
tanto a blusa como a saia eram brancas, embora algumas também se
vestissem de amarelo, de verde, de azul e de rosa. As blusas, que até
pareciam vestidos, eram de um tecido transparente e muito leve,
escorregando pelos ombros, enfeitadas com bordados caprichados. Elas
também tinham panos jogados sobre um dos ombros, que, mais tarde, eu
soube que no Brasil são chamados de pano da costa, da costa da
África. O pescoço e os braços eram enfeitados com colares e
pulseiras dos mais coloridos, ou então dourados, que atraíam a luz
do sol e ficavam ainda mais reluzentes. Algumas mulheres tinham os
pés calçados, à moda dos brancos, com sapatos abertos e presos por
tiras que subiam pelas pernas em interessantes trançados. Fiquei tão
fascinada por elas que só queria saber onde conseguir roupa igual, e
tentando guardar na memória cada detalhe, nem prestei muita atenção
ao trajeto que fizemos. Só me lembro de ter passado por uma rua
estreita e malcheirosa, de onde víamos o interior das casas, de um
lado e do outro, algumas transformadas em comércio e outras mantidas
como moradia. As pessoas também trabalhavam no meio das ruas,
fazendo sapatos, trançando palha, bordando roupas e fabricando
chapéus, além de outras atividades, deixando ainda menos espaço
para quem passava por elas.
Ana Maria Gonçalves, em Um defeito de cor
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