quinta-feira, 31 de outubro de 2024

O confiteor do artista


Como são prementes os dias de outono! Ah! Prementes a ponto de machucar! Pois há certas sensações deliciosas cuja indefinição não exclui a intensidade; e não há nada mais pungente que a ponta do Infinito.
Que delícia indizível ter o olhar disperso na imensidão do céu e do mar! Solidão, silêncio, inocência incomparável do azul! A vela de uma pequena embarcação que vibra no horizonte, e que pelo seu tamanho diminuto e isolamento imita minha existência irremediável, melodia monótona do marulho; todas essas coisas pensam através de mim, ou eu penso através delas (pois, na desmesura do devaneio, o eu se perde depressa!); essas coisas pensam, eu digo, mas musicalmente e de forma pitoresca, sem argúcias, sem silogismos, sem deduções.
Em todo o caso, esses pensamentos, saiam eles de mim ou se lancem das coisas, cedo se tornam intensos. A energia que há na volúpia cria um mal-estar e um suspense positivos. Meus nervos retesados não proporcionam senão sensações gritantes e dolorosas.
E eis que a vastidão do céu me oprime, sua translucidez me exaspera. A falta de sensibilidade do mar, o caráter imutável do espetáculo me revoltam... Ah! Deve-se sofrer eternamente, ou eternamente fugir do belo? Natureza, feiticeira sem piedade, rival sempre vitoriosa, larga-me! Chega de provocar os meus desejos e o meu orgulho! O estudo do belo é um duelo no qual o artista grita de susto antes de ser vencido.

Charles Baudelaire, em O spleen de Paris – Pequenos poemas em prosa

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