O
filósofo Kiekkegaard me ensinou que cultura é
o
caminho que o homem percorre para se conhecer.
Sócrates
fez o seu caminho de cultura e ao fim
falou
que só sabia que não sabia nada. Não tinha
as
certezas científicas. Mas que aprendera coisas
di-menor
com a natureza. Aprendeu que as folhas
das
árvores servem para nos ensinar a cair sem
alardes.
Disse que fosse ele um caracol vejetado
sobre
pedras, ele iria gostar. Iria certamente
aprender
o idioma que as rãs falam com as águas
e
ia conversar com as rãs. E gostasse mais de
ensinar
que a exuberância maior está nos insetos
do
que nas paisagens. Seu rosto tinha um lado de
ave.
Por isso ele podia conhecer todos os pássaros
do
mundo pelo coração de seus cantos. Estudara
nos
livros demais. Porém aprendia melhor no ver,
no
ouvir, no pegar, no provar e no cheirar. Chegou
por
vezes de alcançar o sotaque das suas origens.
Se
admirava de como um grilo sozinho, um só pequeno
grilo,
podia desmontar os silêncios de uma noite!
Eu
vivi antigamente com Sócrates, Platão, Aristóteles –
esse
pessoal. Eles falavam nas aulas: Quem se
aproxima
das origens se renova. Píndaro falava pra
mim
que usava todos os fósseis linguísticos que
achava
para renovar sua poesia. Os mestres pregavam
que
o fascínio poético vem das raízes da fala.
Sócrates
falava que as expressões mais eróticas
são
donzelas. E que a Beleza se explica melhor
por
não haver razão nenhuma nela. O que de mais eu sei
sobre
Sócrates é que ele viveu uma ascese de mosca.
Manoel de Barros, em Memórias Inventadas – A segunda infância
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