terça-feira, 29 de outubro de 2024

1548 – Xaquixaguana

O verdugo

Enrolado em cordas e correntes, vem Carvajal dentro de uma cesta enorme que as mulas arrastam. Entre redemoinhos de pó e gritos de ódio, o guerreiro canta. Sua bronca voz atravessa o clamor dos insultos, alheia às patadas e aos golpes de quem ontem o aplaudia e hoje cospe-lhe na cara:

Que ventura!
Criança no berço
velho no berço!
Que ventura!

canta na cesta que o leva aos trambolhões. Quando as mulas chegam ao patíbulo, lá em cima, os soldados atiram Carvajal aos pés do verdugo. Brame a multidão enquanto o verdugo desembainha, lento, o alfanje.
Irmão Juan – pede Carvajal. – Já que somos do ofício, trate-me de alfaiate a alfaiate.
Juan Enríquez é o nome deste rapaz de rosto doce. Outro nome tinha em Sevilha, quando passeava pelo cais sonhando com ser verdugo do rei na América. Se comenta que ama o ofício porque mete medo e não há senhor principal nem grande guerreiro que não se afaste de seus passos pelas ruas. Também se diz que é um vingador afortunado. Pagam a ele para que ele mate; e não se enferruja sua arma, nem se apaga seu sorriso.

Ai avô!
Ai avô!,

cantarola Carvajal, em voz baixa e triste, porque bem agora deu para pensar em seu cavalo, Boscanillo, que também está velho e derrotado, e pensar em como se entendiam bem.
Juan Enríquez empunha a barba com a mão esquerda e com a direita corta-lhe o pescoço de um talho.
Debaixo do sol, explode uma ovação.
O verdugo exibe a cabeça de Carvajal, que até um instante atrás tinha oitenta e quatro anos e jamais tinha perdoado ninguém.

Eduardo Galeano, em Os Nascimentos

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