domingo, 8 de setembro de 2024

Teologia

Como vocês não ignoram, viajei muito. Isto me permitiu corroborar a afirmação de que a viagem é sempre mais ou menos ilusória, de que não há nada de novo sob o sol, de que tudo é uma única e mesma coisa, etcétera, mas também, paradoxalmente, de que é infundada qualquer desesperança de encontrar surpresas e coisas novas: em verdade o mundo é inesgotável. Como prova disso, basta lembrar a crendice peregrina que encontrei na Ásia Menor, entre um povo de pastores, que se cobrem com peles de ovelha e que são herdeiros do antigo reino dos Magos. Esta gente crê nos sonhos. “No instante em que dormes — explicaram-me — conforme tenham sido teus atos durante o dia, irás ao céu ou ao inferno”. Se alguém argumentasse que nunca havia visto partir um homem adormecido, que permanecia deitado até que o despertassem, responderiam: “O afã de não acreditar em nada te leva a esquecer tuas próprias noites (quem não terá conhecido sonhos agradáveis e sonhos aterrorizadores?) e a confundir o sono com a morte. Cada um é testemunho de que há outra vida para o sonhador. Para os mortos é diferente o testemunho: eles permanecem, convertendo-se em pó”.

H. Garro, Todo o mundo (1918), em Livro de Sonhos, de Jorge Luis Borges

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