domingo, 8 de setembro de 2024

Do espírito de gravidade

1.

Minha língua — é do povo: falo de modo grosseiro e franco demais para os delicados. E ainda mais estranhas soam minhas palavras para todos os borra-tintas escrevinhadores.
Minha mão — é uma mão de tolo: ai de todas as mesas e paredes e o que mais tiver lugar para rabiscos e arabescos de tolo!
Meu pé — é um pé de cavalo; com ele troto e galopo à rédea solta, para lá e para cá, alegre como o Diabo de tanto correr.
Meu estômago — será um estômago de águia? Pois gosta principalmente de carne de cordeiro. Sem dúvida, é um estômago de ave.
Nutrido de pouco, e de coisas inocentes, pronto e impaciente para voar, voar embora — eis agora a minha maneira: como não teria ela algo da maneira das aves?
E sobretudo que eu seja inimigo do espírito de gravidade, isso é maneira de ave: e, em verdade, inimigo de morte, arqui-inimigo, protoinimigo! Oh, para onde já não voou e se extraviou minha inimizade?
Sobre isso eu até poderia cantar uma canção — — e vou cantar: embora me encontre só na casa vazia e tenha de cantá-la para meus próprios ouvidos.
É certo que existem cantores que apenas com a casa cheia têm a garganta macia, a mão eloquente, o olhar expressivo, o coração alerta: — Não sou como eles. —

Friedrich Nietzsche, em Assim Falou Zaratustra

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