1.
Minha
língua — é do povo: falo de modo grosseiro e franco demais para
os delicados. E ainda mais estranhas soam minhas palavras para todos
os borra-tintas escrevinhadores.
Minha
mão — é uma mão de tolo: ai de todas as mesas e paredes e o que
mais tiver lugar para rabiscos e arabescos de tolo!
Meu
pé — é um pé de cavalo; com ele troto e galopo à rédea solta,
para lá e para cá, alegre como o Diabo de tanto correr.
Meu
estômago — será um estômago de águia? Pois gosta principalmente
de carne de cordeiro. Sem dúvida, é um estômago de ave.
Nutrido
de pouco, e de coisas inocentes, pronto e impaciente para voar, voar
embora — eis agora a minha maneira: como não teria ela algo da
maneira das aves?
E
sobretudo que eu seja inimigo do espírito de gravidade, isso é
maneira de ave: e, em verdade, inimigo de morte, arqui-inimigo,
protoinimigo! Oh, para onde já não voou e se extraviou minha
inimizade?
Sobre
isso eu até poderia cantar uma canção — — e vou cantar: embora
me encontre só na casa vazia e tenha de cantá-la para meus próprios
ouvidos.
É
certo que existem cantores que apenas com a casa cheia têm a
garganta macia, a mão eloquente, o olhar expressivo, o coração
alerta: — Não sou como eles. —
Friedrich Nietzsche, em Assim Falou Zaratustra
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