[…]
A
essa altura, já havíamos ultrapassado o lugar onde as sumacas
descarregavam diante de Cabanas e os esquifes ancorados pescavam
palometas no fundo rochoso ao lado de El Morro. Conduzi o barco para
fora, onde a corrente do Golfo traçava uma linha escura. Eddy
colocou na água dois grandes chamarizes e o negro já tinha iscas em
três varas.
A
corrente não estava muito profunda e, quando nos aproximamos de sua
orla, pudemos vê-la tornando-se quase vermelha, formando redemoinhos
aqui e ali. Havia uma ligeira brisa do leste e nosso barco assustou
numerosos peixes-voadores, daqueles grandes, com asas negras, que,
quando levantam voo, parecem com os que estão na fotografia de
Lindbergh cruzando o Atlântico.
Esses
peixes-voadores grandes são o melhor indício que poderíamos
encontrar. Até onde se podia ver, estendia-se aquele sargaço
amarelo pálido, em pequenos blocos, o que significava que a corrente
principal se movia regularmente, e havia pássaros revoando à nossa
frente sobre um cardume de filhotes de atum. Era possível vê-los
saltando, nenhum deles pesando mais do que um quilo.
— Pode
lançar o anzol assim que quiser — avisei a Johnson.
Johnson
afivelou o cinturão de segurança e os arneses dos ombros, lançando
então a grande vara com o resistente molinete Hardy com seiscentas
jardas de fio trinta e seis. Olhei para trás e sua isca estava
girando bem, deslizando pouco abaixo da superfície. Os dois
chamarizes mergulhavam e saltavam. Estávamos navegando com a
velocidade conveniente e embiquei para a corrente.
— Conserve
o cabo da vara no soquete da cadeira — recomendei a Johnson. —
Assim a vara não vai ficar tão pesada nas suas mãos. Não deixe a
linha afundar muito e conserve a trava solta, para poder dar corda
quando ele morder. Se ela estiver presa, o bicho vai arrastar você
para a água.
Todo
dia tinha de repetir os mesmos conselhos, mas isso não me incomodava
muito. De cada cinquenta pessoas que a gente leva, apenas uma sabe
pescar direito. E os que sabem pescar fazem besteira pelo menos na
metade do tempo e ficam querendo usar uma linha que não é forte o
bastante para resistir a um peixe de bom tamanho.
— Que
tal o tempo? — perguntou-me.
— Não
podia ser melhor — respondi, pois estava realmente fazendo um belo
dia.
Passei
a roda do leme ao negro, dizendo para ele conduzir o barco ao longo
da borda da corrente, sempre para leste, e voltei para onde Johnson
estava sentado, observando suas iscas saltarem sobre as ondas.
— Quer
que lance outra vara? — perguntei.
— Acho
que não — respondeu. — Quero fisgar meu peixe, lutar com ele e
embarcá-lo sozinho.
— Certo
— disse eu. — Mas não quer que o Eddy lance uma vara e a
entregue ao senhor, se algum peixe morder, para que possa fisgá-lo?
— Não
— insistiu. — Prefiro que haja apenas uma vara de cada vez.
— Muito
bem.
O
negro ainda estava levando o barco para fora. Olhei na direção dele
e percebi que ele avistara um cardume de peixes-voadores saltando bem
à nossa frente, corrente acima. Olhando para trás, pude ver Havana,
resplandecente sob o sol da manhã. Um navio estava saindo da baía e
passando ao lado do morro.
— Acho
que hoje vai ser o seu dia, senhor Johnson — disse-lhe eu.
— Já
não é sem tempo — respondeu. — Há quantos dias estamos
pescando?
— Faz
três semanas hoje.
— É
muito tempo para nada.
— São
uns peixes engraçados — disse eu. — Aparecem quando bem
entendem! Mas, quando chegam, vem um bocado deles. E estão sempre
chegando. Se não vierem agora, não vêm mais. O tempo é o ideal, a
lua também. A corrente está boa e vamos ter uma boa brisa.
— Não
havia alguns daqueles pequenos, quando viemos na primeira vez?
— Havia
— respondi. — É como lhe disse. Quando os pequenos dão o fora,
é sinal de que os grandes estão chegando.
— Vocês,
capitães de barcos de pesca, têm sempre esse papo furado. Ou está
muito cedo, ou tarde demais, ou então o vento não está ajudando,
ou é a lua errada. Mas o dinheiro da gente, que é bom, vocês
cobram da mesma forma.
— Bem
— repliquei —, o diabo dessa coisa é que geralmente é mesmo
muito cedo, ou então tarde demais, e na maior parte do tempo o vento
está contra nós. Daí, quando se consegue um dia perfeito, a gente
está ancorado, sem um cliente.
— Mas,
afinal, hoje é ou não é um bom dia para pescar?
— Bem,
para mim, já foi um dia agitado até demais. Mas estou apostando que
o senhor não vai ter nada do que se queixar.
— Espero
que sim — disse ele.
Ajeitamos
tudo para pescar de corrico. Eddy foi para a proa e deitou-se. Fiquei
em pé, observando, esperando avistar uma nadadeira. A todo momento,
o negro adormecia, mas eu o estava vigiando também. Aposto que suas
noites eram bem animadas.
— Não
se importa de pegar uma garrafa de cerveja para mim, capitão? —
perguntou-me Johnson.
— Pois
não, senhor — respondi, enfiando a mão no gelo para pegar para
ele uma bem gelada.
— Não
quer tomar uma? — perguntou-me.
— Não,
senhor — respondi. — Só à noite.
Abri
a garrafa e a estava passando a Johnson, quando vi um grande peixe
castanho, com uma espada mais comprida do que um braço, pôr a
cabeça e as costas fora d’água, avançando para a cavalinha.
Parecia ter a espessura de uma tora de madeira.
— Afrouxe
a linha! — gritei.
— Ele
não a mordeu ainda — respondeu Johnson.
— Aguente
firme, então.
O
bicho subira rapidamente do fundo e errara o bote. Eu sabia que
voltaria para agarrar a isca.
— Prepare-se
para afrouxar a linha no momento em que ele morder.
Então,
eu o vi vindo por baixo d’água. Dava para enxergar suas
barbatanas, largas como asas de cor púrpura e as listras
avermelhadas no corpo castanho. Ele subiu como um submarino e sua
enorme nadadeira dorsal emergiu, começando a cortar a água como um
periscópio. Avançou diretamente por trás da isca e sua espada
também emergiu, oscilando, completamente fora d’água.
— Deixe
a isca entrar toda na boca dele — disse eu. Johnson destravou o
carretel do molinete, que começou a zunir, e o velho marlim
voltou-se e mergulhou. Pude ver todo o seu corpo brilhando como prata
resplandecente quando se virou de costas e rumou rapidamente em
direção à praia. — Prenda um pouco a trava — disse eu. — Mas
não muito.
Johnson
apertou a trava.
— Não
muito — repeti.
Vi
a linha inclinar-se e acrescentei:
— Abaixe
um pouco a vara e dê um tranco firme nele. Precisa dar um tranco!
Já, já ele vai pular fora d’água.
Johnson
apertou de uma vez a trava e agarrou a vara com força, puxando-a
para trás.
— Dê
um puxão, agora! — disse eu. — Uma meia dúzia de puxões para o
anzol ficar bem preso.
Ele
deu um puxão e tanto, e repetiu o golpe algumas vezes, ferindo o
peixe. Então a vara vergou-se e o molinete começou a zunir. O
enorme peixe apareceu, espetacularmente, num longo pulo, brilhando
como prata ao sol e caindo sobre a água como um cavalo que tivesse
sido lançado de um penhasco.
— Solte
a trava — disse eu.
— Fugiu!
— exclamou Johnson.
— Fugiu,
uma ova! — respondi. — Solte depressa a catraca.
Pude
distinguir a curva da linha e, na vez seguinte que o marlim saltou,
estava ao lado da popa, dessa vez rumando para mar alto. Depois disso
saltou, e saltou novamente, caindo de lado numa explosão de espuma.
Pude ver que estava fisgado do lado da boca. As listras escarlates
mostravam-se vivas em seu corpo. Era um belo peixe prateado, tão
grosso quanto uma tora de madeira.
— Desta
vez fugiu mesmo — disse Johnson. — A linha estava frouxa.
— Gire
o molinete — recomendei. — Ele está bem fisgado. — Voltando-me
para o negro, gritei: — Faça o barco avançar a toda!
Dito
e feito! Uma, duas vezes, o monstro saltou emergindo rijo como um
poste, projetando todo o seu comprimento em nossa direção, e
lançando água para o alto cada vez que caía sobre o mar. A linha
esticou-se de novo e percebi que o marlim se dirigia para terra,
preparando uma meia-volta.
— É
agora que ele vai disparar — disse eu. — Se estiver bem fisgado,
a gente o persegue com o barco. Fique com a trava solta. Temos linha
de sobra.
O
marlim rumou para noroeste, como fazem todos os grandes peixes. Meu
irmão, como corcoveava! Começou a dar aqueles grandes saltos,
fazendo voltas no ar, e cada vez que caía sobre a água era como uma
lancha voando sobre o mar. Nós o seguimos, perseguindo-o de perto
depois de eu ter feito a volta. Fiquei no leme e continuava gritando
para o Johnson conservar sua trava solta e dar linha depressa.
De
repente, vi sua vara dar um tranco seco e a linha ficar frouxa. Só
quem conhecesse bem a coisa perceberia que a linha estava solta, já
que a sua barriga mergulhada na água pesava um bocado. Mas eu sabia
muito bem o que tinha acontecido.
— O
senhor o perdeu — avisei a Johnson.
O
peixe ainda estava saltando e continuou a saltar até que sumiu de
vista. Era de fato um belo peixe.
— Ainda
posso senti-lo puxando — disse Johnson.
— É
só o peso da linha.
— Mal
posso enrolar a linha. Talvez ele esteja morto.
— Morto?
— exclamei. — Peixe morto não pula.
Dava
para vê-lo a um quilômetro de distância do barco, ainda lançando
jatos de água.
Examinei
a catraca. Johnson a havia travado de vez.
Não
dava para puxar linha nenhuma, e só podia mesmo se partir.
— Não
disse para manter a trava solta?
Mas
ele continuava a puxar a linha.
— E
daí?
— Daí,
eu quis detê-lo.
— Escute
— disse a ele. — Se a gente não dá linha quando ele começa a
corcovear daquele jeito, o que acontece é que a linha arrebenta. Não
há linha que o segure. Quando um bicho desses puxa, o que se tem a
fazer é dar-lhe linha. E a gente tem de manter a trava solta. Nem os
pescadores profissionais conseguem manter esses peixes presos numa
situação dessas, e mesmo usando uma linha de arpão. O que a gente
tem de fazer é usar o barco para perseguir o bicho, para ele não
puxar a linha toda, quando tentam nadar em disparada. Depois que ele
se cansa, então a gente pode apertar a trava e tentar puxar a linha
de volta.
— Quer
dizer que, se a linha não tivesse se partido, eu o teria apanhado?
— É,
você teve uma boa chance.
— E
ele não ia aguentar muito tempo mais, ia?
— Esses
bichos são cheios de truques! Somente depois de ter dado aquela
arrancada é que a luta ia começar.
— Bem,
vamos sair para outra — disse Johnson.
— Vamos,
mas primeiro o senhor vai ter de enrolar aquela linha — respondi.
Havíamos
fisgado o peixe e o havíamos perdido sem acordar o Eddy. Agora o
velho Eddy vinha voltando para a popa.
— Que
foi que aconteceu? — perguntou.
Tempos
atrás, Eddy era um ótimo homem para se ter a bordo, quando ainda
não era um bêbado. Agora não servia mais para nada. Fiquei olhando
para ele, parado ali, um sujeito alto e de faces encovadas, com a
boca frouxa e remelas esbranquiçadas no canto dos olhos. Seu cabelo
parecia todo desbotado ao sol. Sabia que ele tinha acordado morto de
vontade de tomar um gole.
— É
melhor você beber uma garrafa de cerveja — disse eu.
Eddy
apanhou uma garrafa e bebeu-a.
— Bem,
senhor Johnson — disse ele. — Acho melhor terminar minha soneca.
Muito obrigado pela cerveja, senhor.
Era
mesmo o velho Eddy!… O raio do peixe não importava nem um pouco
para ele.
Bem,
fisgamos outro, mais ou menos ao meio-dia, e ele conseguiu fugir
também. Pudemos ver o anzol voar a dez metros de altura quando o
peixe o lançou fora.
— O
que eu fiz de errado desta vez? — perguntou Johnson.
— Nada.
Ele apenas se livrou do anzol.
— Senhor
Johnson — disse Eddy, que acordara para tomar outra garrafa de
cerveja. — Senhor Johnson, o senhor apenas não teve sorte. Quem
sabe tem sorte com mulheres? Que tal sairmos juntos esta noite?
Em
seguida, voltou a deitar-se de novo.
[…]
Ernest Hemingway, em Ter e não ter
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