sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Interpretação dos sonhos

Já que não entramos em um acordo sobre os métodos virgilianos, utilizemos como meio de adivinhação um que é bom, antigo e autêntico — disse Pantagruel. Refiro-me à interpretação dos sonhos, sempre que se sonhe conforme as condições que estabelecem Hipócrates, Platão, Plotino, Jâmblico, Sinésio, Aristóteles, Xenofontes, Galeno, Plutarco, Artemidoro, Daldiano, Herifilo, Quinto Calaber, Teócrito, Plínio, Ateneu e outros, os quais sustentam que a alma é capaz de prever acontecimentos futuros. Quando o corpo repousa em plena digestão e não necessita de nada até o momento de despertar, nossa alma se eleva até sua verdadeira pátria, que é o céu. Ali recebe a participação de sua primitiva origem divina e na contemplação daquela infinita e intelectual esfera (cujo centro se encontra em algum lugar do universo, ponto central que reside em Deus segundo a doutrina de Hermes Trismegisto, e a qual nada altera e na qual nada ocorre, pois todos os tempos se desenvolvem no presente) capta não apenas os acontecimentos das camadas inferiores, mas também os futuros, transmitindo-os ao seu corpo através de seus órgãos sensíveis. Dada à fragilidade e à imperfeição do corpo que os captou, não pode transmiti-los fielmente. Cabe aos intérpretes e vaticinadores de sonhos, os gregos, aprofundar-se em tão importante matéria. Heráclito dizia que a interpretação dos sonhos não é para ficar oculta, pois nos dá o significado e normas gerais das coisas do futuro, para nossa sorte ou desgraça. Anfiaraus estabeleceu que não se deve beber durante três dias nem comer durante um antes dos sonhos. Estômago cheio, má espiritualidade.
Todo o sonho que termina em sobressalto significa algo ruim e é de mau presságio. Este algo ruim quer dizer alguma doença latente. O mau presságio para a alma, pois alguma desgraça se avizinha. Lembrai-vos dos sonhos e do despertar de Hécuba e de Eurídice. Eneias sonhou que falava com Heitor morto; acordou sobressaltado e naquela noite Troia ardeu e foi saqueada.

François Rabelais, em Pantagruel, II

Nenhum comentário:

Postar um comentário