Na
curva desta escada nos amamos,
nesta
curva barroca nos perdemos.
O
caprichoso esquema
unia
formas vivas, entre ramas.
Lembras-te,
carne? Um arrepio telepático
vibrou
nos bens municipais, e dando volta
ao
melhor de nós mesmos
deixou-nos
sós, a esmo,
espetacularmente
sós e desarmados,
que
a nos amarmos tanto eis-nos morridos.
E
mortos, e proscritos
de
toda comunhão no século (esta espira
é
testemunha, e conta), que restava
das
línguas infinitas
que
falávamos ou surdas se lambiam
no
céu da boca sempre azul e oco?
Que
restava de nós,
neste
jardim ou nos arquivos, que restava
de
nós, mas que restava, que restava?
Ai,
nada mais restara,
que
tudo mais, na alva,
se
perdia, e contagiando o canto aos passarinhos
vinha
até nós, podrido e trêmulo, anunciando
que
amor fizera um novo testamento,
e
suas prendas jaziam sem herdeiros
num
pátio branco e áureo de laranjas.
Aqui
se esgota o orvalho,
e
de lembrar não há lembrança. Entrelaçados,
insistíamos
em ser; mas nosso espectro,
submarino,
à flor do tempo ia apontando,
e
já noturnos, rotos, desossados,
nosso
abraço doía
para
além da matéria esparsa em números.
Asa
que ofereceste o pouso raro
e
dançarino e rotativo, cálculo,
rosa
grimpante e fina
que
à terra nos prendias e furtavas,
enquanto
a reta insigne
da
torre ia lavrando
no
campo desfolhado outras quimeras:
sem
ti não somos mais o que antes éramos.
E
se este lugar de exílio hoje passeia
faminta
imaginação atada aos corvos
de
sua própria ceva,
escada,
ó assunção,
ao
céu alças em vão o alvo pescoço,
que
outros peitos em ti se beijariam
sem
sombra, e fugitivos,
mas
nosso beijo e baba se incorporam
de
há muito ao teu cimento, num lamento.
Carlos Drummond de Andrade, em Fazendeiro do ar
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