segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Cartas na Rua | Quatro


12

Fay estava bem da gravidez. Para uma mulher já madura, ela estava bem. Esperávamos por ali, em casa. Finalmente chegou a hora.
Não vai demorar muito — ela disse. — Não quero chegar lá muito cedo.
Saí e dei uma conferida no carro. Voltei.
Oooh, oh — ela disse. — Não, espere.
Talvez ela pudesse mesmo salvar o mundo. Fiquei orgulhoso de sua calma. Perdoei-a pelos pratos sujos, pela New Yorker e pelos seus encontros nas oficinas literárias. A velha garota era simplesmente mais uma criatura solitária em um mundo indiferente a todos nós.
É melhor irmos agora — eu disse.
Não — disse Fay. — Não quero que fique esperando muito tempo. Sei que você não tem se sentido muito bem ultimamente.
Quem se importa. Vamos de uma vez.
Não, por favor, Hank.
Ela ficava ali sentada.
O que posso fazer por você? — perguntei.
Nada.
Ficou sentada mais uns dez minutos. Fui até a cozinha pegar um copo d’água. Quando voltei, ela perguntou:
Pronto para dirigir?
Claro.
Sabe onde fica o hospital?
Claro.
Ajudei-a a entrar no carro. Por duas vezes, na semana passada, eu tinha ensaiado o caminho. Mas quando cheguei lá não tinha ideia de onde estacionar. Fay apontou um corredor.
Entre ali. Estacione. Entraremos por ali.
Sim, senhora — eu disse...

A cama ficava num quarto dos fundos que dava para a rua. Ela franziu o rosto.
Segure a minha mão — ela disse.
Foi o que fiz.
Desta vez vai mesmo acontecer? — perguntei.
Sim.
Você faz isso parecer tão simples — eu disse.
Você está sendo gentil. Isso ajuda.
Eu gostaria de ser gentil. É aquele inferno dos Correios que...
Eu sei. Eu sei.
Estávamos olhando através da janela do fundo.
Eu disse:
Olhe aquelas pessoas lá embaixo. Não fazem a menor ideia do que se passa aqui em cima. Apenas andam pela calçada. Sabe, é engraçado... elas também tiveram de nascer um dia, cada uma delas.
Conseguia sentir os movimentos de seu corpo segurando sua mão.
Aperte com mais força — ela disse.
Sim.
Vou odiar quando você tiver que sair.
Onde está o médico? Onde estão todos? Mas que diabos!
Eles virão.
Logo em seguida uma enfermeira apareceu. Tratava-se de uma maternidade católica, e ela era uma enfermeira muito bonita, morena, espanhola ou portuguesa.
Agora... o senhor... deve sair — ela me disse.
Cruzei os dedos para Fay e lhe dei um sorriso torto. Acho que ela viu. Tomei o elevador e desci.

Charles Bukowski, em Cartas na Rua


 

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