O
herói subiu pelo elevador com o velho, um a examinar o outro.
Saltaram ambos no quarto andar. Ele apertou a campainha. Na porta ao
lado, o velho escolhia uma chave. Nelsinho entendeu na sua careta
zombeteira — Olha aí mais um...
— Como
vai o doutor? — cumprimentou Ivone, cerimoniosa.
Fechou
a porta e sorriu:
— Tratei
você de doutor. Esse velhote não me deixa em paz.
Na
mesa um vaso minúsculo de cacto. Espetada em areia, na haste negra
luzia pontinho escarlate.
— Incenso
indiano, querido, para roubar teu coração!
Na
janela a tarde bruxuleava. Envolto na nuvem adocicada, tossiu de
leve: Ai, só me falta crise de asma.
— Muito
distinto!
O
herói tomou-lhe as mãos e quis beijá-la, mas desviou o rosto.
— Que
tanta pressa! Nem me achou bonita.
Um
passo atrás, que a pudesse admirar: cetim negro, três voltas do
colar dourado. Boca inchada de batom. Cabelo preto retinto, olho de
sombra roxa — a última encarnação de Mata Hari.
— Está
linda, meu bem.
A
menina que escrevia bilhete no intervalo das aulas: Desta mujer que
te quiere mucho, mucho, mucho! Travou das mãos, cruzou-lhe os braços
nas costas:
— Agora
não escapa.
O
herói beijou o ar, galinha cega bicando às tontas. Ela sacudiu a
cabeça com gritinhos de terror.
— Por
que me convidou?
— Falar
com você.
— Insistiu
que estava sozinha. Não pensei que para conversar.
— Cruzes!
Nunca imaginei você queria isso.
Afastado
na ponta dos braços:
— O
mesmo olhar inocente do menino. Você é inocente?
— Você
bem sabe — e forcejando para atraí-la, conseguiu derrubar um
brinco.
— Viu
o que fez?
— Depois
eu acho.
— Ai,
que horror! Me solte um pouco. Que tal um cigarro?
Com
dedos de ponta amarela acendeu um fósforo.
— Fuma
demais.
— Tão
aflita...
— Se
quer, vou embora.
— Não
— e segurou-lhe a mão, ainda com o fósforo. — Olhe: do lado que
cair a cabeça está o meu amor.
A
cabecinha negra rolou para ele.
— Gosta
de mim, querido? Preciso tanto de alguém. Tão só desde que a
mãezinha morreu.
— E
teu marido?
— Coitado
do Vivi.
Espreguiçavam-se
nos cantos as primeiras sombras da noite.
— Quer
umas uvinhas, querido?
Na
ponta do filete ardia a brasinha — Ivone apresentou-lhe o prato com
uvas geladas e um guardanapo engomado. No outro lado da mesa, o rosto
em nuvem azul de fumaça. Cruzou a perna, exibiu o chinelinho de
pompom vermelho.
— Nervoso?
— Nem
um pouco.
— Eu
sim. Nunca enganei o Vivi. Boa a uva, não é?
— Ótima.
Você quer?
— Já
provei.
Batia
o cigarro no vasinho de cacto. Ali no ombro uma pinta de beleza.
— Um
beijinho na tua pinta!
No
estremeção de peixe arisco:
— Sinto
cócega. Ah, se o Vivi... Nem quero pensar!
— Onde
é que ele está?
— Por
aí.
— É
bom para você?
— Muito.
Atencioso, bem educado.
Apanhou
na radiola o retrato de moldura prateada.
— Se
não é parecido com você. Por isso goste dele. O primeiro beijo lá
na varanda?
— Eu
podia esquecer? — e roçou o lábio no ombro, errou a pinta. —
Você era virgem?
— Que
pergunta.
— É
certo o que dizem do Vivi?
— Bem
que noivo diferente. Pobre de mim, chorei de alegria. Moço prendado,
falava línguas.
Só
beijinho de muito respeito. Uma educação inglesa. Depois você
sabe. ..
— Que
foi que houve?
— Abri
de repente a porta: aos beijos com o filho do porteiro!
Aspirou
o cigarro ao ponto de recolher as bochechas.
— Simpático
teu apartamento.
— Quer
conhecer?
Ivone
indicou a cozinha. Abriu a porta do quarto:
— Desculpe
a desarrumação.
O
quarto em perfeita ordem, duas camas de solteiro. Desta vez conseguiu
beijá-la, sem que retribuísse.
— Espere.
Limpar os lábios.
— Mais
um beijinho.
— Não
quero manchar tua camisa.
Apanhou
lenço de papel sobre a penteadeira.
Ele
observou as costas até achar a pinta — agora deixá-la nuazinha.
Junto da cama, a lâmpada no garrafão azul.
— Muito
original.
Olhando-o
pelo espelho:
— Não
é mesmo?
Voltou-se:
rubros como antes, grossos de batom. Ele começou a beijar-lhe o
pescoço, uma veia pulsava forte. Correu os dedos, esquecidos na
nádega — louco por vestido com botão.
— Como
é que é?
— O
que, meu bem?
— A
gente tira?
— Que
pressa, cruzes! — o biquinho de contrariedade. — Conversar um
pouco.
— Tenha
paciência, filha. Não é hora.
Aborrecida,
afastou-se dois passos:
— Está
bem. Tire a roupa.
Sacou
o vestido pela cabeça, tanta prática que nem se despenteou. Ele
tirou o paletó.
— Um
cabide?
— Penduro
aqui mesmo.
De
costas, jogou a calça ao pé da cama. Virou-se e o que viu? Ela de
sutiã, anágua, chinelinho de pompom. Em cueca, nosso herói
investiu. Ergueu a saia, surpreendeu a coxa no espelho — a matrona
é avó torta da donzela. Para se consolar, fechou o olho e
fungou-lhe no pescoço. Repelão violento o fez cambalear:
— Que
é? Que foi?
— Espere
um pouco.
Acendeu
o cigarro, apanhou no guarda-roupa uma toalha, que estendeu sobre a
colcha encarnada.
Nelsinho
despiu a cueca, apenas de camisa e sapato. Ela o encarou e, a mão
atrás, abriu o sutiã: horrendo peito flácido. Excitadíssimo ao
vê-la tirar a calcinha, só de anágua. Que se debateu aflita:
— E
o brinco?
— Que
brinco? Ah, depois eu acho.
— Como
é apressado, que horror! Vou lavar as mãos.
— Agora
não. Depois.
— Tem
de ser já.
Sem
se confessar deprimido, o herói exibiu-se no espelho, admirou as
suas graças. De frente e de perfil, erguendo a aba da camisa —
grande cadela, deixa estar, ela me paga!
Ivone
saiu do banheiro, soltou a anágua, pisou sobre ela — nua, cigarro
na boca! Desviou-se mais uma vez do abraço:
— Não
tira o sapato?
Foi
sentar-se na cama, acendeu novo cigarro na brasa do outro.
Nelsinho
livrou-se do sapato. Trêmulo, beijava-lhe o braço, o pescoço, a
orelha — lembra-se, querida, a noite na varanda?
— Cuidado.
Eu te queimo.
Fumava
sem pressa, a boca feroz, olho no teto.
— Sossega,
meu bem. Olha a cinza na colcha.
Ergueu-se
no cotovelo, amassou o cigarro no cinzeiro. De repente envolveu-o num
abraço apertado. Sem explicação, deitou a gemer alto: Ai, ai, ai!
Empurrou-o, sacudiu a cabeça:
— Bonito
o teu olho esquerdo!
Agarrou-o
com violência, entre ais lancinantes. O rosto afundado no cabelo,
Nelsinho espirrou duas vezes.
— Que
foi, bem? Resfriou?
— A
velha asma.
Sem
aviso, a defender-se com unha e cotovelo:
— Me
machucando. Trocar de posição. Mais para baixo. De mau jeito. Não
desmanche o penteado.
Ele
seguia as instruções, frustrado e miserável. Ivone enlaçou-lhe o
pescoço e beijou-o, a gemer fora de tom. No meio do beijo,
estremeceu a pálpebra, aos poucos abrindo o olho. Fixou-o no fundo
da pupila, franziu a testa. Nelsinho começou a resfolegar, lavado de
suor frio.
— Nervoso,
bem? — melíflua, suspirou a bela.
Em
desespero, fechando o olho, tornou a beijá-la: boca escarninha,
cheia de dentes. Fio de baba escorreu no queixo, ela desviou o rosto:
— Incomodou-se
hoje, não foi?
Inibido
pela expressão de censura, o sulco na testa acusadora, ainda pediu:
— Me
beije, querida.
— Não
fique nervoso. Já passa.
— Você
é que sabe — a voz sumida.
— Isso
acontece.
Na
separação dos corpos suados um estalo obsceno. Nelsinho deixou-se
rolar de costas.
— Pois
é. Acontece a qualquer um — com amargura medonha na alma.
— Bem
quietinho — as palavras untuosas de doçura. — Como eu e meu
marido.
Compassiva,
afofou o travesseiro, que descansasse a cabeça. Alcançou lencinho
na gaveta, enxugou-lhe a testa em agonia. Dois cigarros na boca,
acendeu-os, estendeu-lhe um.
— Primeira
vez? — a menina inocente na varanda.
Não
queria conversa, preocupado em não se distrair.
— Nunca
me aconteceu.
— Será
que das uvas? — os seios sacolejando com o risinho de pouco caso.
— Se
a gente ficasse de pé?
De
pé, não deu resultado: a visão medonha da nádega no espelho.
Depois, sentados. E deitados retomaram os cigarros. Nelsinho de
costas, ela apoiada no cotovelo, a soprar-lhe a fumaça no olho. Com
a mão livre, Ivone ofereceu entre o indicador e o polegar o seio
opulento; sem entusiasmo, ele sorveu o leite mais triste. O coração
pulsava no travesseiro e rangia no colchão. Tornou o suor a
escorrer-lhe da testa.
— Igualzinho
ao Vivi.
Ivone
aspirou fundo, soprou deliciada pelo nariz: uma vez com um homem.
Abordada na rua. Na própria lua-de-mel. Nunca soube quem era. Em vez
de indignar-se, recolheu-o no apartamento. Tristonho, Nelsinho
observava o desejo afoguear-lhe as faces, rouca de perturbação.
Engoliu em seco: esmagou a boca de beijos, com receio de que o
empurrasse para rematar a frase. Entreabriu o olho a gozar o triunfo,
notou a ruga incrédula na testa. Ai dele! a exaltação gloriosa
esvaiu-se em derrota sem remédio.
— Não
se canse tanto, meu bem. Pode ter uma coisa!
Concluiu
em sossego a história, na verdade muito interessante.
— Com
calor? Que abra a janela?
— Fique
quieta. — E com humildade. — Não sei o que... A primeira vez.
— Meu
maridinho é bem assim.
A
vez do herói acender os cigarros. No silêncio, choro de criança no
apartamento vizinho, um relógio ao longe deu as horas. Último
clarão do crepúsculo na janela. Chegou até ele a fragrância
enjoativa do incenso: Deus, ó Deus, por que não morri de asma aos
cinco anos?
Ivone
saltou da cama, os peitos bamboleantes, foi apanhar um fósforo na
sala. Voltou com o pratinho:
— Não
quer acabar as uvas?
Deitado,
beliscou dois e três grãos. Chupou o sumo, devolveu a casca ao
prato. Apanhou outro bago. Tão desconsolado, em vez de cuspir,
engoliu a semente e a casca.
Dalton Trevisan, em O Vampiro de Curitiba
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