sábado, 14 de setembro de 2024

A poesia

Encomendaram-me os editores uma “suma” de minha poesia, o que me enche de perplexidade. Pois não foi aereamente e sim muito de propósito que dei a um dos meus livros (que por sinal é o predileto de Manuel Bandeira, Augusto Meyer e Carlos Drummond) o título de O aprendiz de feiticeiro, tirado de uma lenda alemã. Esse incauto aprendiz, na ausência do seu Mestre, pôs-se a lidar com forças desconhecidas, e o que aconteceu foi uma incontrolável multiplicação de vassouras, no meu caso uma multiplicação de poemas.
Saberá mesmo um poeta em que consiste essa espécie de força oculta que o faz poetar? Ele não tem culpa de ser poeta; portanto, não tem do que se desculpar ou explicar.
Se eu conheço algum segredo é o da sinceridade, não escrevo uma vírgula que não seja confessional. Esse desejo insopitável de expressar o que tem dentro de si é o mesmo que leva o crente ao confessionário e o incréu ao divã do analista. O poeta prescinde de ambas as coisas, e os que não são poetas, mas gostam de poesia, desafogam a si mesmos através dos poemas que leem: porque na verdade vos digo que não é o leitor que descobre o seu poeta, mas o poeta que descobre o seu leitor.

Mário Quintana, em Porta giratória

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