Se
uma águia fende os ares e arrebata
esse
que é forma pura e que é suspiro
de
terrenas delícias combinadas;
e
se essa forma pura, degradando-se,
mais
perfeita se eleva, pois atinge
a
tortura do embate, no arremate
de
uma exaustão suavíssima, tributo
com
que se paga o voo mais cortante;
se,
por amor de uma ave, ei-la recusa
o
pasto natural aberto aos homens,
e
pela via hermética e defesa
vai
demandando o cândido alimento
que
a alma faminta implora até o extremo;
se
esses raptos terríveis se repetem
já
nos campos e já pelas noturnas
portas
de pérola dúbia das boates;
e
se há no beijo estéril um soluço
esquivo
e refolhado, cinza em núpcias,
e
tudo é triste sob o céu flamante
(que
o pecado cristão, ora jungido
ao
mistério pagão, mais o alanceia),
baixemos
nossos olhos ao desígnio
da
natureza ambígua e reticente:
ela
tece, dobrando-lhe o amargor,
outra
forma de amar no acerbo amor.
Carlos Drummond de Andrade, em Antologia Poética
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