segunda-feira, 22 de julho de 2024

Cartas na Rua | Quatro



4

Um dia estava no bar, no intervalo entre duas corridas, quando vi esta mulher. Deus, ou sei lá quem, continua criando mulheres e cuspindo-as nas ruas, e o rabo dessa é muito grande, e os peitos daquela são pequenos demais, e aquela outra é louca, e outra totalmente pirada, tem uma ainda que é religiosa e outra que adivinha o futuro em folhas de chá, há a que não consegue segurar seus peidos, e mais aquela que tem um nariz imenso, sem esquecer daquela de pernas esquálidas...
Mas de vez em quando, uma mulher entra em cena, em plena floração, uma mulher extrapolando os limites do vestido... uma criatura feita de sexo, uma maldição, o fim de tudo. Ergui os olhos e lá estava, bem no fundo do bar. Estava meio bêbada e o cara do bar não queria mais lhe dar bebida e ela começou a fazer um escândalo e eles chamaram um dos seguranças, que a segurou pelo braço, arrastando-a para um canto, onde agora conversavam.
Terminei meu drinque e os segui:
Chefe! Chefe!
Ele parou e olhou para mim.
Minha esposa fez algo errado? — perguntei.
Achamos que ela está bêbada, senhor. Eu ia escoltá-la até os portões.
Os portões de largada?
Ele riu.
Não, senhor. Os portões de saída.
Pode deixar, eu fico com ela, chefe.
Está bem, senhor. Mas não deixe ela beber mais.
Não respondi. Peguei-a pelo braço e a levei de volta para dentro.
Por Deus, obrigada, você salvou a minha vida — ela disse.
Senti seus quadris baterem contra mim.
Não foi nada de mais. Me chamo Hank.
Mary Lou — ela disse.
Mary Lou — eu disse —, eu te amo.
Ela riu.
Por acaso, você não se esconde atrás de colunas em concertos de ópera, não é mesmo?
Não me escondo atrás de nada — ela disse, expondo-me seu decote.
Quer um outro drinque?
Claro, mas o cara ali não vai me servir.
Há mais de um bar aqui no hipódromo, Mary Lou. Vamos para o andar de cima. E fique quieta. Espere um pouco e já trago algo para você beber. O que está tomando?
Qualquer coisa.
Scotch com água serve?
Claro.
Bebemos durante todo o resto do programa. Ela me deu sorte. Acertei em dois dos três páreos finais.
Você veio de carro? — perguntei a ela.
Vim com um otário aí — ela disse. — Ignore-o.
Se você ignora, eu ignoro — eu respondi.
Começamos a nos agarrar no carro e sua língua entrava e saía de minha boca como uma pequena cobra ensandecida. Depois nos desvencilhamos e seguimos costa abaixo. Foi uma noite de sorte. Consegui uma mesa com vista para o mar e pedimos alguns drinques e ficamos esperando pelas carnes. Todos no lugar olhavam para ela. Inclinei-me em sua direção e lhe acendi o cigarro, pensando, esta vai ser uma das boas. Todo mundo ali sabia o que eu estava pensando e Mary Lou sabia o que eu estava pensando e eu sorri para ela por sobre a chama.
O oceano — eu disse —, veja ele lá, golpeando, arrastando-se para cima e para baixo. E embaixo disso tudo, os peixes, os pobres peixes lutando uns contra os outros, comendo uns aos outros. Nós somos como esses peixes, com a diferença de que estamos aqui em cima. Um movimento mal calculado e você já era. É bom ser um campeão. É bom conhecer os próprios movimentos.
Puxei um charuto e o acendi.
Mais um drinque, Mary Lou?
Claro, Hank.

5

Havia esse lugar. Estendia-se sobre o mar, construído junto ao mar. Um lugar meio velho, mas com um toque de classe. Pegamos um quarto no primeiro andar. Dava para escutar o oceano correndo lá em baixo, podia-se ouvir as ondas, sentir o cheiro do oceano, a maré indo e vindo, subindo e descendo.
Deixei o tempo correr até ficar à vontade, conversando e bebendo com ela. Depois fui para o sofá e me sentei perto dela. Começamos a avançar, rindo e falando e ouvindo o oceano. Fiquei nu, mas fiz com que ela ficasse vestida. Depois a levei até a cama e enquanto já me arrastava por cima dela, tirei suas roupas e entrei. Foi difícil de entrar. Então ela se soltou.
Foi uma das melhores. Eu escutava a água, escutava a maré indo e vindo. Era como se eu estivesse gozando junto com o oceano inteiro. Aquilo parecia durar e durar. Então rolei para o lado.
Oh, Jesus Cristo — eu disse —, oh, Jesus Cristo!
Nunca sei bem como é que Jesus Cristo sempre entrava nessas coisas.

6

No dia seguinte, fomos apanhar algumas de suas coisas em um motel. Havia um homenzinho escuro por lá, com uma verruga no lado do nariz. Tinha um ar perigoso.
Você vai com ele? — perguntou a Mary Lou.
Sim.
Tudo bem. Boa sorte. — Ele acendeu um cigarro.
Obrigada, Hector.
Hector? Mas que diabo de nome era esse?
Toma uma cerveja? — perguntou-me.
Claro — eu disse.
Hector estava sentado na beira da cama. Foi até a cozinha e voltou com três cervejas. Eram boas, importadas da Alemanha. Abriu a garrafa de Mary e serviu um pouco num copo que entregou a ela. Então me perguntou:
Copo?
Não, obrigado.
Me levantei e brindamos tocando as garrafas.
Sentamos, bebendo as cervejas em silêncio.
Então ele disse:
Você é homem o suficiente para tomá-la de mim?
Porra, não faço a mínima ideia. Ela é quem tem que escolher. Se quiser ficar com você, ela fica. Por que não pergunta a ela?
Mary Lou, vai ficar comigo?
Não — ela disse —, estou indo com ele.
Apontou para mim. Eu me senti importante. Já tinha perdido tantas mulheres para outros caras que foi bom que a coisa estivesse tomando um outro rumo. Acendi um charuto. Então olhei em volta à procura de um cinzeiro. Havia um sobre a cômoda.
Ocorreu-me dar uma olhada no espelho para ver o estado da minha ressaca e foi quando vi Hector avançando em minha direção como um dardo em busca do alvo. Eu ainda tinha a garrafa de cerveja na mão. Me virei e ele se chocou contra ela. Atingi-o em cheio na boca, que se transformou em uma massa de dentes e sangue. Hector caiu de joelhos, chorando, cobrindo a boca com ambas as mãos. Vi o canivete. Chutei-o para longe dele, peguei-o em seguida, dei uma olhada. Vinte centímetros. Apertei o botão e a lâmina se recolheu. Guardei o negócio no bolso.
Então, enquanto Hector chorava, avancei e dei-lhe um chute no rabo.
Ele se estatelou no chão, ainda choramingando. Avancei e dei uma bicada em sua cerveja.
Depois voltei e dei uma bofetada em Mary Lou. Ela gritou.
Vadia! Você armou tudo isso, não foi? Ia deixar esse macaco me matar por uns meros quatrocentos ou quinhentos dólares que levo na carteira!
Não, não! — ela disse. Chorava. Ambos choravam.
Voltei a esbofeteá-la.
É esse o seu golpe, sua vadia? Matando homens por uns trocados?
Não, não, eu te AMO, Hank, eu te AMO!
Agarrei seu vestido azul pela gola e o fui rasgando, de cima até a cintura. Ela não usava sutiã. A vadia não precisava de um.
Ganhei a rua, entrei no carro e segui em direção ao hipódromo. Por duas ou três semanas andei olhando por cima dos ombros. Andava aos sobressaltos. Nada aconteceu. Nunca mais vi Mary Lou nas corridas. Ou Hector.

Charles Bukowski, em Cartas na Rua

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