4
Um
dia estava no bar, no intervalo entre duas corridas, quando vi esta
mulher. Deus, ou sei lá quem, continua criando mulheres e
cuspindo-as nas ruas, e o rabo dessa é muito grande, e os peitos
daquela são pequenos demais, e aquela outra é louca, e outra
totalmente pirada, tem uma ainda que é religiosa e outra que
adivinha o futuro em folhas de chá, há a que não consegue segurar
seus peidos, e mais aquela que tem um nariz imenso, sem esquecer
daquela de pernas esquálidas...
Mas
de vez em quando, uma mulher entra em cena, em plena floração, uma
mulher extrapolando os limites do vestido... uma criatura feita de
sexo, uma maldição, o fim de tudo. Ergui os olhos e lá estava, bem
no fundo do bar. Estava meio bêbada e o cara do bar não queria mais
lhe dar bebida e ela começou a fazer um escândalo e eles chamaram
um dos seguranças, que a segurou pelo braço, arrastando-a para um
canto, onde agora conversavam.
Terminei
meu drinque e os segui:
— Chefe!
Chefe!
Ele
parou e olhou para mim.
— Minha
esposa fez algo errado? — perguntei.
— Achamos
que ela está bêbada, senhor. Eu ia escoltá-la até os portões.
— Os
portões de largada?
Ele
riu.
— Não,
senhor. Os portões de saída.
— Pode
deixar, eu fico com ela, chefe.
— Está
bem, senhor. Mas não deixe ela beber mais.
Não
respondi. Peguei-a pelo braço e a levei de volta para dentro.
— Por
Deus, obrigada, você salvou a minha vida — ela disse.
Senti
seus quadris baterem contra mim.
— Não
foi nada de mais. Me chamo Hank.
— Mary
Lou — ela disse.
— Mary
Lou — eu disse —, eu te amo.
Ela
riu.
— Por
acaso, você não se esconde atrás de colunas em concertos de ópera,
não é mesmo?
— Não
me escondo atrás de nada — ela disse, expondo-me seu decote.
— Quer
um outro drinque?
— Claro,
mas o cara ali não vai me servir.
— Há
mais de um bar aqui no hipódromo, Mary Lou. Vamos para o andar de
cima. E fique quieta. Espere um pouco e já trago algo para você
beber. O que está tomando?
— Qualquer
coisa.
— Scotch
com água serve?
— Claro.
Bebemos
durante todo o resto do programa. Ela me deu sorte. Acertei em dois
dos três páreos finais.
— Você
veio de carro? — perguntei a ela.
— Vim
com um otário aí — ela disse. — Ignore-o.
— Se
você ignora, eu ignoro — eu respondi.
Começamos
a nos agarrar no carro e sua língua entrava e saía de minha boca
como uma pequena cobra ensandecida. Depois nos desvencilhamos e
seguimos costa abaixo. Foi uma noite de sorte. Consegui uma mesa com
vista para o mar e pedimos alguns drinques e ficamos esperando pelas
carnes. Todos no lugar olhavam para ela. Inclinei-me em sua direção
e lhe acendi o cigarro, pensando, esta vai ser uma das boas. Todo
mundo ali sabia o que eu estava pensando e Mary Lou sabia o que eu
estava pensando e eu sorri para ela por sobre a chama.
— O
oceano — eu disse —, veja ele lá, golpeando, arrastando-se para
cima e para baixo. E embaixo disso tudo, os peixes, os pobres peixes
lutando uns contra os outros, comendo uns aos outros. Nós somos como
esses peixes, com a diferença de que estamos aqui em cima. Um
movimento mal calculado e você já era. É bom ser um campeão. É
bom conhecer os próprios movimentos.
Puxei
um charuto e o acendi.
— Mais
um drinque, Mary Lou?
— Claro,
Hank.
5
Havia
esse lugar. Estendia-se sobre o mar, construído junto ao mar. Um
lugar meio velho, mas com um toque de classe. Pegamos um quarto no
primeiro andar. Dava para escutar o oceano correndo lá em baixo,
podia-se ouvir as ondas, sentir o cheiro do oceano, a maré indo e
vindo, subindo e descendo.
Deixei
o tempo correr até ficar à vontade, conversando e bebendo com ela.
Depois fui para o sofá e me sentei perto dela. Começamos a avançar,
rindo e falando e ouvindo o oceano. Fiquei nu, mas fiz com que ela
ficasse vestida. Depois a levei até a cama e enquanto já me
arrastava por cima dela, tirei suas roupas e entrei. Foi difícil de
entrar. Então ela se soltou.
Foi
uma das melhores. Eu escutava a água, escutava a maré indo e vindo.
Era como se eu estivesse gozando junto com o oceano inteiro. Aquilo
parecia durar e durar. Então rolei para o lado.
— Oh,
Jesus Cristo — eu disse —, oh, Jesus Cristo!
Nunca
sei bem como é que Jesus Cristo sempre entrava nessas coisas.
6
No
dia seguinte, fomos apanhar algumas de suas coisas em um motel. Havia
um homenzinho escuro por lá, com uma verruga no lado do nariz. Tinha
um ar perigoso.
— Você
vai com ele? — perguntou a Mary Lou.
— Sim.
— Tudo
bem. Boa sorte. — Ele acendeu um cigarro.
— Obrigada,
Hector.
Hector?
Mas que diabo de nome era esse?
— Toma
uma cerveja? — perguntou-me.
— Claro
— eu disse.
Hector
estava sentado na beira da cama. Foi até a cozinha e voltou com três
cervejas. Eram boas, importadas da Alemanha. Abriu a garrafa de Mary
e serviu um pouco num copo que entregou a ela. Então me perguntou:
— Copo?
— Não,
obrigado.
Me
levantei e brindamos tocando as garrafas.
Sentamos,
bebendo as cervejas em silêncio.
Então
ele disse:
— Você
é homem o suficiente para tomá-la de mim?
— Porra,
não faço a mínima ideia. Ela é quem tem que escolher. Se quiser
ficar com você, ela fica. Por que não pergunta a ela?
— Mary
Lou, vai ficar comigo?
— Não
— ela disse —, estou indo com ele.
Apontou
para mim. Eu me senti importante. Já tinha perdido tantas mulheres
para outros caras que foi bom que a coisa estivesse tomando um outro
rumo. Acendi um charuto. Então olhei em volta à procura de um
cinzeiro. Havia um sobre a cômoda.
Ocorreu-me
dar uma olhada no espelho para ver o estado da minha ressaca e foi
quando vi Hector avançando em minha direção como um dardo em busca
do alvo. Eu ainda tinha a garrafa de cerveja na mão. Me virei e ele
se chocou contra ela. Atingi-o em cheio na boca, que se transformou
em uma massa de dentes e sangue. Hector caiu de joelhos, chorando,
cobrindo a boca com ambas as mãos. Vi o canivete. Chutei-o para
longe dele, peguei-o em seguida, dei uma olhada. Vinte centímetros.
Apertei o botão e a lâmina se recolheu. Guardei o negócio no
bolso.
Então,
enquanto Hector chorava, avancei e dei-lhe um chute no rabo.
Ele
se estatelou no chão, ainda choramingando. Avancei e dei uma bicada
em sua cerveja.
Depois
voltei e dei uma bofetada em Mary Lou. Ela gritou.
— Vadia!
Você armou tudo isso, não foi? Ia deixar esse macaco me matar por
uns meros quatrocentos ou quinhentos dólares que levo na carteira!
— Não,
não! — ela disse. Chorava. Ambos choravam.
Voltei
a esbofeteá-la.
— É
esse o seu golpe, sua vadia? Matando homens por uns trocados?
— Não,
não, eu te AMO, Hank, eu te AMO!
Agarrei
seu vestido azul pela gola e o fui rasgando, de cima até a cintura.
Ela não usava sutiã. A vadia não precisava de um.
Ganhei
a rua, entrei no carro e segui em direção ao hipódromo. Por duas
ou três semanas andei olhando por cima dos ombros. Andava aos
sobressaltos. Nada aconteceu. Nunca mais vi Mary Lou nas corridas. Ou
Hector.
Charles Bukowski, em Cartas na Rua
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