terça-feira, 23 de julho de 2024

Os Nascimentos | 1541 – Santiago de Chile

Inês Suárez

Há poucos meses, Pedro de Valdívia descobriu este monte e este vale. Os araucanos, que tinham feito a mesma descoberta alguns milhares de anos antes, chamavam o monte de Huelén, que significa dor. Valdívia batizou-o de Santa Luzia.
Da crista do morro, Valdívia viu a terra verde entre os braços do rio e decidiu que não existia no mundo melhor lugar para oferecer uma cidade ao apóstolo Santiago, que acompanha os conquistadores e luta por eles.
Cortou os ares sua espada, nos quatro rumos da rosa dos ventos, e assim nasceu Santiago do Novo Extremo. Assim cumpre, agora, seu primeiro verão: umas poucas casas de barro e madeira, com telhado de palha, a praça ao centro, a paliçada ao redor.
Apenas cinquenta homens ficaram em Santiago. Valdívia anda com os outros pelas ribeiras do rio Cachapoal.
Ao despontar do dia, a sentinela dá o grito de alarma do alto da paliçada. Pelos quatro cantos aparecem os esquadrões indígenas.
Os espanhóis escutam os alaridos de guerra e em seguida cai em cima deles um vendaval de flechas.
Ao meio-dia, algumas casas são pura cinza e a paliçada caiu. Luta-se na praça, corpo a corpo.
Inês corre então até a choça onde funciona a prisão. O guardião vigia, ali, os sete chefes araucanos que os espanhóis tinham prendido tempos atrás. Ela sugere, suplica, ordena que lhes cortem as cabeças.
Como?
As cabeças!
Como?
Assim!
Inês agarra uma espada e as sete cabeças voam pelos ares.
A batalha muda de direção. As cabeças convertem os sitiados em perseguidores. Na acometida, os espanhóis não invocam o apóstolo Santiago, mas Nossa Senhora do Socorro.
Inês Suárez, a malaguenha, tinha sido a primeira a acudir quando Valdívia alçou a bandeira de alistamento em sua casa em Cuzco. Veio a estas terras do sul à cabeça das hostes invasoras, cavalgando ao lado de Valdívia, espada de aço bom e cota de fina malha, e desde então junto a Valdívia macha, luta e dorme. Hoje, ocupou seu lugar.
É a única mulher entre os homens. Eles dizem: “É um macho”, e a comparam com Roldão e com El Cid, enquanto ela esfrega azeite sobre os dedos do capitão Francisco de Aguirre, que ficaram presos no punho da espada e não existe maneira de abri-los, embora a guerra, por enquanto, tenha terminado.

Eduardo Galeano, em Os Nascimentos

Nenhum comentário:

Postar um comentário