Barba
Negra, Barba Vermelha, Barba Branca
Faz
um ano que Gonzalo Jiménez de Quesada, barba negra, olhos negros,
saiu em busca das fontes de ouro na nascente do rio Madalena. A
metade da aldeia de Santa Marta veio atrás dele.
Atravessaram
pântanos e terras que fumegam ao sol. Quando chegaram às margens do
rio, já não sobrava vivo nenhum dos milhares de índios nus que
tinham trazido para carregar os canhões e o pão e o sal. Como já
não havia escravos para perseguir e capturar, jogaram os cachorros
nos caldeirões de água fervendo. Depois, também os cavalos foram
cortados em pedaços. A fome era pior que os crocodilos, as cobras e
os mosquitos. Comeram raízes e correias. Disputaram a carne de quem
caía, antes que o padre terminasse de dar-lhe a passagem para o
Paraíso.
Navegaram
rio acima, metralhados pelas chuvas e sem vento nas velas, até que
Quesada decidiu mudar de rumo. El Dorado está do outro lado da
cordilheira, decidiu, e não na origem do rio. Caminharam através
das montanhas.
Depois
de muito subir, Quesada aparece agora e vê os verdes vales da nação
dos chibchas. Ante cento e sessenta esfarrapados comidos pelas
febres, ergue a espada, toma posse e proclama que nunca mais
obedecerá às ordens de seu governador.
Faz
três anos e meio que Nicolás de Federmann, barba vermelha, olhos
azuis, saiu de Córo em busca do centro dourado da terra. Peregrinou
por montanhas e planícies. Os índios e os negros foram os primeiros
a morrer.
Quando
Federmann se ergue sobre os picos onde se enredam as nuvens, descobre
os verdes vales da nação dos chibchas. Cento e sessenta soldados
sobreviveram, fantasmas que se arrastam cobertos de peles de veado.
Federmann beija a espada, toma posse e proclama que nunca mais
obedecerá às ordens de seu governador.
Faz
mais de três anos que Sebastián de Benalcázar, olhos cinzentos,
barba branca da idade ou do pó dos caminhos, saiu em busca dos
tesouros que a cidade de Quito, esvaziada e queimada, lhe tinha
negado. Da multidão que o seguiu, restam cento e sessenta europeus
extenuados e nenhum índio. Arrasador de cidades, fundador de
cidades, Benalcázar deixou por sua passagem um rastro de cinza e
sangue e novos mundos nascidos da ponta de sua espada: em torno do
patíbulo, a praça; em torno da praça, a igreja, as casas, as
muralhas.
Fulgura
o casco do conquistador no topo da cordilheira. Benalcázar toma
posse dos verdes vales da nação dos chibchas e proclama que nunca
mais obedecerá às ordens de seu governador.
Pelo
norte, chegou Quesada. Pelo oriente, Federmann. Pelo sul, Benalcázar.
Cruz e arcabuz, céu e solo: ao final de tantas voltas loucas pelo
planeta, os três capitães rebeldes descem pelos flancos da
cordilheira e se encontram no planalto de Bogotá.
Benalcázar
sabe que viajam em liteiras de ouro os caciques deste reino.
Federmann sabe que escuta a doce melodia que a brisa arranca das
lâminas de ouro penduradas sobre templos e palácios. Quesada sabe
que se ajoelha à beira da lagoa onde os sacerdotes indígenas
mergulham cobertos de ouro em pó.
Quem
ficará com o El Dorado? Quesada, que veio de Granada, que diz que
foi o primeiro? Federmann, o alemão de Ulm, que conquista em nome de
Welser, o banqueiro? Benalcázar, que veio de Córdoba?
Os
três exércitos em farrapos, chagas e ossos, se medem e esperam.
Explode
então a risada do alemão. Não pode parar de rir e se dobra de riso
e os andaluzes se contagiam até caírem no chão os três capitães,
derrubados pelas gargalhadas e pela fome e por esse que marcou um
encontro com eles e agora caçoa deles: esse que está sem estar e
que chegou sem vir: esse que sabe que o El Dorado não será de
ninguém.
Eduardo Galeano, em Os Nascimentos
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