quarta-feira, 17 de julho de 2024

O Pequeno Príncipe

II

Então eu vivi minha vida solitário, sem ninguém com quem pudesse realmente conversar, até que tive um acidente com meu avião no deserto do Saara, seis anos atrás. Algo estava quebrado em meu motor, e como não tinha comigo nem passageiros nem mecânicos, após o pouso forçado eu me preparei para tentar realizar sozinho o difícil conserto. Para mim, era uma questão de vida ou morte: o que eu tinha de água em meu cantil mal dava para oito dias.
Na primeira noite eu dormi em plena areia, a milhares de quilômetros de qualquer habitação humana. Eu estava mais isolado do que um náufrago boiando agarrado a uma tábua no meio do oceano. Portanto, você pode imaginar o meu espanto quando, ao nascer do sol, fui desperto por uma vozinha um tanto estranha. Ela disse:
Por favor, me desenhe um carneiro!”
O quê?!”
Me desenhe um carneiro!”
Eu levantei de um pulo só, como se um raio houvesse me atingido. Esfreguei meus olhos e olhei cuidadosamente em minha volta, foi quando vi um ser pequenino e extraordinário, que estava ali me examinando com grande seriedade.

Aqui você pode ver o melhor retrato que pude fazer dele, tempos depois. Mas ao meu desenho falta certamente o encanto do modelo original.



Eu não tenho culpa se o meu desenho não é tão fiel ao original, afinal as pessoas grandes me desencorajaram a seguir minha carreira artística quando eu tinha somente seis anos de idade, e então eu nunca aprendi a desenhar nada além de jiboias abertas e jiboias fechadas.
Eu olhava para aquela aparição repentina com meus olhos quase pulando das órbitas de tanto assombro. Lembre-se, eu havia me acidentado no deserto a milhares de quilômetros de qualquer região habitada, e ainda assim aquele ser pequenino não parecia estar vagueando perdido em meio às areais, nem dava quaisquer sinais de cansaço, fome, sede ou medo.
Nada sobre ele me dava qualquer sugestão de ser uma criança perdida no deserto, a milhares de quilômetros de qualquer habitação humana. Quando finalmente consegui dizer alguma coisa, foi isto que lhe falei:
Mas o que diabos você está fazendo aqui?”
E ele me respondeu um tanto vagarosamente, como se falasse de algo muito sério:
Por favor, me desenhe um carneiro...”
Quando um mistério é tão avassalador, a gente não ousa desobedecer. Por mais absurdo que possa parecer, mesmo estando a milhares de quilômetros de qualquer habitação humana e com minha própria vida em risco, eu retirei do meu bolso uma folha de papel e a minha caneta-tinteiro.
Porém, antes de desenhar, me lembrei de como os meus estudos haviam se concentrado em geografia, história, aritmética e gramática, e disse ao pequenino (um pouco mau humorado, aliás) que eu não sabia desenhar. Mas ele me respondeu:
Isso não importa. Me desenhe um carneiro...”
Mas eu nunca havia desenhado um carneiro, então desenhei para ele um dos dois únicos desenhos que eu sabia fazer, o da jiboia aberta, e fiquei muito surpreso com o que o pequenino me disse ao vê-lo:
Não, não, não! Eu não quero um elefante dentro de uma jiboia. Uma jiboia é uma criatura muito perigosa, e um elefante é muito pesado e espaçoso... Onde eu moro, tudo é muito pequeno. O que preciso é de um carneiro, me desenhe um carneiro.”

Então eu fiz este desenho.




Ele o observou cuidadosamente, e daí me respondeu:
Não, este carneiro já está muito doente, me faça outro.”

Então eu fiz outro desenho.



Meu amigo sorriu gentilmente e me disse:
Você não vê que isto não é um carneiro? Isto é um bode, ele tem chifres!”

Então tive de refazer meu desenho novamente…



Mas ele foi rejeitado como os demais:
Este é muito velho. Eu quero um carneiro que ainda terá uma longa vida pela frente.”
Nessa hora a minha paciência já estava exaurida, porque eu precisava iniciar o conserto do motor o quanto antes. Então eu rabisquei com pressa este outro desenho, e arrisquei uma explicação para ele:

Esta é somente a caixa, o carneiro que você me pediu está dentro dela.”



Eu fiquei um tanto surpreso em ver a face do meu pequenino crítico de arte se iluminar:
Era exatamente isso que eu queria! Você acha que será preciso muito capim para alimentar este carneiro?”
Por quê?”
Porque onde eu moro tudo é muito pequeno...”
Ora, certamente haverá capim o suficiente para ele, este carneiro que lhe dei também é muito pequeno.”
Ele inclinou os olhos sobre o desenho e disse:
Não é tão pequeno assim... Olha! Ele dormiu...”
E foi assim que eu conheci o pequeno príncipe.

Antoine de Saint-Exupéry, em O Pequeno Príncipe

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