— Não
acredito no que estou vendo. Achei que você só fosse dar uma
adiantada no serviço.
Foi
o que Michael Dunbar disse sobre a vala gigantesca cavada por um
único garoto em menos de uma semana. Não deveria ficar surpreso.
— Mas
como diabos você fez isso? Cavou dia e noite sem parar?
Clay
olhou para baixo.
— Dormi
um pouco também.
— Com
a pá do lado?
O
Assassino viu as mãos dele, e o garoto levantou a cabeça.
— Jesus...
— disse o homem.
Quando
Clay me contou essa façanha, focou mais no resultado do que no
processo em si. Ele estava louco para visitar a rua Archer, e as
Cercanias, mas não podia, claro; por dois motivos.
Em
primeiro lugar, não estava em condições de me encarar.
Segundo,
voltar e não me encarar seria covardia da parte dele.
Não;
depois do cemitério, Clay pegou o trem de volta para a estação
Silver e passou alguns dias se recuperando. Não havia um pedaço
dele que não estivesse doendo. No entanto, as mãos cheias de bolhas
eram a pior parte, e ele dormia, passava noites em claro, e esperava.
***
Quando
o Assassino voltou, estacionou o carro do outro lado do rio, entre as
árvores.
Desceu
a margem e parou no fundo do fosso cavado.
Dos
dois lados, havia ondas gigantescas de pedregulhos e de terra.
Ele
observou a vala e balançou a cabeça, incrédulo, então se voltou
para a casa. Lá dentro, procurou Clay e o fuzilou com o olhar;
suspirou, relaxou os ombros e balançou a cabeça mais uma vez, entre
o choque e a decepção. E finalmente pensou em algo para dizer:
— Tenho
que admitir, garoto... Você tem coragem.
Clay
não se conteve.
Aquelas
palavras.
Elas
iam e vinham sem parar, e agora Rory estava na cozinha, como se
tivesse saído do forno, direto do parque Bernborough, da lendária
marca dos trezentos metros:
Tenho
que admitir, garoto...
Exatamente
as mesmas palavras que Rory dissera a ele.
E
Clay não conseguiu se conter.
Disparou
pelo corredor e irrompeu no banheiro, batendo a porta e se jogando no
chão, e...
— Clay?
Clay, tá tudo bem?
A
pergunta foi como um eco, como se ouvisse aqueles berros debaixo
d’água; ele veio à tona para respirar.
Markus Zusak, em O construtor de pontes
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