Sempre enfrentei problemas com a televisão. O primeiro foi que a gente
tinha trauma de tevê desde o tempo de Sergipe, porque apareciam
fotografias na revista O Cruzeiro, de pessoas assistindo à
tevê no Rio de Janeiro, e a gente morria de inveja. Quando nos
mudamos para a Bahia, também ainda não havia televisão por aqui,
de forma que, assim que ela apareceu, eu já com 17 anos, meu pai
comprou logo um aparelho e botou na sala. Tinha uma imagem-padrão e
uma musiquinha, a gente assistia bastante.
A
imagem-padrão era a silhueta de um índio, no meio do que parecia
ser um alvo. “Se esse índio se mexer”, dizia meu pai quando ia
lá dentro, “você me chame logo!”. Mas demorou muito para se
mexer, o pessoal em casa até ficou meio desestimulado e quase que a
gente nem ia mais à sala ver a imagem-padrão, só passávamos umas
quatro ou cinco horas por noite espiando. Meu pai não se deixou
abater. Boa música, boa música, dizia ele, alisando o aparelho.
Finalmente,
os programas começaram. Tinha garota-propaganda (tudo falando
carioca e alisando fogões e liquidificadores, era uma coisa
emocionante; havia torcidas: eu, por exemplo, gostava mais da moça
das lojas Florensilva, mas meu pai se mexia na cadeira quando surgia
a moça da loja Duas Américas e dizia “muito bom esse
liquidificador, um excelente liquidificador”) e apresentadores de
paletó e gravata. Vinha gente de fora, também falando carioca e
dizendo que o baiano era muito carinhoso e ma-ra-vi-lho-so e a imagem
de nossa tevê era a melhor do Brasil e então ficávamos
orgulhosíssimos e dizíamos “viu você, viu você?”.
O
primeiro programa para que me convidaram era um jogo em que as
pessoas tentavam adivinhar a profissão de outras pessoas. Cheguei lá
de camisa esporte, recebi uma reprimenda: volte para casa e vista
roupa de televisão, isto aqui é coisa séria. Voltei, vesti a roupa
de televisão, e me dei mal, a começar pelo cumprimento, que tinha
de ser “boa noite, senhores telespectadores” e eu não acertei a
dizer telespectadores.
— Boa
noite, senhores tepelespectadores — disse eu finalmente, tendo
suores frios.
Minha
equipe perdeu, eu enterrei o time. Só me vinha na cabeça
“tratorista”. “O senhor é tratorista?”, perguntava eu.
“Não”, dizia o entrevistado. “Oh”, dizia eu. Mas minha mãe
ficou muito orgulhosa e discutiu com uma vizinha que me achou um
tanto burro. Ele não é burro, disse minha mãe, ele é somente meio
bobo, é muito diferente.
Depois
me chamaram para escrever para a Globo, me deram uma passagem e eu
vim ao Rio, carregando uma maletinha de pau-de-arara. Fui para o
Jardim Botânico, com a maletinha, às sete e meia da manhã. Achei
que impressionaria bem se eu chegasse cedo, e ninguém tinha
explicado que o pessoal só acordava depois das duas da tarde.
Demorou bastante para me atenderem. Comi um sanduíche no boteco
defronte, cortei o cabelo e dei informações a passantes. Às duas
horas, mais ou menos, me levaram lá para dentro e me mandaram para o
teatro onde gravavam um programa chamado Satiricon. Fiz grande
sucesso. De vez em quando saía um cara lá de dentro e dizia: “Tudo
bem aí, baiano?” Acabei encostando na sala da técnica e Bibi
Vogel veio ver uma cena em que ela aparecia. “Você achou que saiu
bem?”, perguntou ela. “Sim, sim”, respondi. “Brigadinho”,
disse ela, passando a mão na minha cabeça. Jô Soares fez um quadro
e me perguntou: “Achou bom, baiano?” Ah, uma beleza, disse eu, e
ele falou “olhe aí, ô Vanucci, o baiano achou bom”. Durante
algum tempo pensei que eles iam me contratar para ficar botando o
polegar para cima e dizendo que tinha sido ótimo, mas até hoje não
tenho certeza quanto a isto. Por volta das dez horas, voltei para o
hotel e, no dia seguinte, para a Bahia. Até hoje guardo gratas
recordações desse meu tempo de colaboração com a Globo.
Finalmente,
excetuando algumas aparições com Glauber, em que, quando eu vi,
tudo já tinha sido gravado, surgi no vídeo em companhia de Marília
Gabriela, em São Paulo. Cheguei calmíssimo, com a suéter vestida
ao contrário e a barba feita de um lado só, porque o motorista que
foi me buscar no hotel estava com pressa. Marília apareceu de
repente, coisa que não se faz.
— Como
vai? — disse ela, sorrindo.
— Ah,
da-da — respondi brilhantemente. — É... sim, ha-ha. Hu... Sim,
como não, ha-ha, não? Ho-ho.
— Eu
já li seus livros — disse ela, me olhando como quem fala “eu
compreendo”.
Felizmente,
a mão que tremia estava do lado oposto ao da câmera e até que
aquela suéter (é de minha mulher) ao contrário dá um certo
charme. “Leve ele direitinho”, disse Marília ao motorista depois
da entrevista, com um ar de preocupação no olhar.
Mas
agora não, agora já estou acostumado. Por exemplo, todo mundo viu
que eu fui entrevistado outro dia (aqui na Pituba, pelo menos, todo
mundo viu) e me saí muito bem. É tudo uma questão de o sujeito
estar na terra dele e todo mundo já saber como deve fazer as coisas.
Meus agradecimentos à equipe médica da TV-Aratu, aos quatro câmeras
e às 18 entrevistadoras, principalmente à que não desistiu. Um dia
— é o que sempre digo a meu pai, quando ele pergunta o que é que
eu quero da vida — eu ainda saio na capa de Amiga.
João Ubaldo Ribeiro, em O rei da noite
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