quinta-feira, 18 de julho de 2024

Ninguém foi funcionário público em Barbacena

De todas as versões sobre o processo de impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, no início da década de 1990, a mais espetacular, sem dúvida, foi apresentada pelo próprio numa entrevista à revista Playboy: Collor descobriu, durante uma regressão hipnótica, que em outra encarnação foi o imperador d. Pedro I.
Imagino que o presidente tenha entrado em transe e se enxergado de bigodes, ao lado de d. João VI, andando de velocípede pelos salões imperiais e atropelando seu irmão mais novo, d. Miguel.
Impressionado com a história de Collor e d. Pedro I, recorri ao Google para estudar um pouco mais sobre esse negócio de regressão. Achei coisas do arco da velha. Listo os relatos que mais me impressionaram:

Um lutador de vale-tudo descobriu que foi uma cigana sensual, amante de um vice-rei, assassinada numa taberna de Sevilha no século XVII.
Um empresário goiano do ramo de laticínios foi Pôncio Pilatos. Descobriu, por isso, de onde vinha sua mania de lavar as mãos duzentas vezes por dia, inicialmente diagnosticada como um transtorno obsessivo-compulsivo. Ficou curado.
Uma dona de casa de Ribeirão Preto foi amiga de Joana d’Arc e morreu queimada pelo Santo Ofício da Inquisição. Tem, por conta disso, medo de fogueira até hoje e nunca se divertiu em festas juninas.
Um artista plástico foi um ovo de codorna comido pelo poeta Olavo Bilac na Confeitaria Colombo, durante a Belle Époque carioca.
Uma atriz, aos prantos, descobriu que foi uma árvore amazônica, derrubada para a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
Clóvis Bornay teve a convicção, depois de uma regressão comandada por um erê de umbanda, de que em outra vida foi Nabucodonosor, o dos jardins suspensos da Babilônia.
Há, pelo menos, doze relatos de brasileiros que foram faraós no Egito Antigo, em diversas dinastias.

Não vou entrar no mérito desse negócio de vidas passadas, já que o restaurante que serve farofa não liga o ventilador de teto. Sou obrigado apenas a constatar que nós, os brasileiros, em se tratando de outras encarnações, somos dotados de uma megalomania espiritual impactante. Explico.
Os casos que andei bisbilhotando são todos espetaculares. Reunimos, no Brasil, hordas de centuriões romanos, imperadores chineses, beduínos do deserto, faraós, rainhas, pajés, profetas do Velho Testamento, apóstolos, guerreiros tuaregues, cavaleiros da infantaria de Gengis Khan, astrônomos queimados pela Inquisição, papas, dançarinas de cabarés parisienses (invariavelmente assassinadas por ciúmes) e quejandos.
Não encontrei um mísero caso em que o sujeito tenha descoberto que foi funcionário de uma repartição pública em Barbacena, por exemplo. Uma dentista carioca garantiu que em sua encarnação mais recente foi Gabriela. Que Gabriela? A personagem de Jorge Amado, amante do turco Nacib.
Sei não, mas tenho uma desconfiança sobre isso tudo. Será que essa rapaziada está se recordando, na verdade, de cenas de carnavais passados, entranhadas na mais profunda infância, em que todos éramos odaliscas, soldados, sheiks árabes, havaianos, caciques, chineses, melindrosas e outros babados? Quem há de saber. De toda forma, morro de medo de fazer uma regressão e descobrir que apunhalei Júlio César nas escadarias do Senado romano.

Luiz Antonio Simas, em Crônicas exusíacas e estilhaços pelintras

Nenhum comentário:

Postar um comentário