De
todas as versões sobre o processo de impeachment do presidente
Fernando Collor de Mello, no início da década de 1990, a mais
espetacular, sem dúvida, foi apresentada pelo próprio numa
entrevista à revista Playboy: Collor descobriu, durante uma
regressão hipnótica, que em outra encarnação foi o imperador d.
Pedro I.
Imagino
que o presidente tenha entrado em transe e se enxergado de bigodes,
ao lado de d. João VI, andando de velocípede pelos salões
imperiais e atropelando seu irmão mais novo, d. Miguel.
Impressionado
com a história de Collor e d. Pedro I, recorri ao Google para
estudar um pouco mais sobre esse negócio de regressão. Achei coisas
do arco da velha. Listo os relatos que mais me impressionaram:
• Um
lutador de vale-tudo descobriu que foi uma cigana sensual, amante de
um vice-rei, assassinada numa taberna de Sevilha no século XVII.
• Um
empresário goiano do ramo de laticínios foi Pôncio Pilatos.
Descobriu, por isso, de onde vinha sua mania de lavar as mãos
duzentas vezes por dia, inicialmente diagnosticada como um transtorno
obsessivo-compulsivo. Ficou curado.
• Uma
dona de casa de Ribeirão Preto foi amiga de Joana d’Arc e morreu
queimada pelo Santo Ofício da Inquisição. Tem, por conta disso,
medo de fogueira até hoje e nunca se divertiu em festas juninas.
• Um
artista plástico foi um ovo de codorna comido pelo poeta Olavo Bilac
na Confeitaria Colombo, durante a Belle Époque carioca.
• Uma
atriz, aos prantos, descobriu que foi uma árvore amazônica,
derrubada para a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
• Clóvis
Bornay teve a convicção, depois de uma regressão comandada por um
erê de umbanda, de que em outra vida foi Nabucodonosor, o dos
jardins suspensos da Babilônia.
• Há,
pelo menos, doze relatos de brasileiros que foram faraós no Egito
Antigo, em diversas dinastias.
Não
vou entrar no mérito desse negócio de vidas passadas, já que o
restaurante que serve farofa não liga o ventilador de teto. Sou
obrigado apenas a constatar que nós, os brasileiros, em se tratando
de outras encarnações, somos dotados de uma megalomania espiritual
impactante. Explico.
Os
casos que andei bisbilhotando são todos espetaculares. Reunimos, no
Brasil, hordas de centuriões romanos, imperadores chineses, beduínos
do deserto, faraós, rainhas, pajés, profetas do Velho Testamento,
apóstolos, guerreiros tuaregues, cavaleiros da infantaria de Gengis
Khan, astrônomos queimados pela Inquisição, papas, dançarinas de
cabarés parisienses (invariavelmente assassinadas por ciúmes) e
quejandos.
Não
encontrei um mísero caso em que o sujeito tenha descoberto que foi
funcionário de uma repartição pública em Barbacena, por exemplo.
Uma dentista carioca garantiu que em sua encarnação mais recente
foi Gabriela. Que Gabriela? A personagem de Jorge Amado, amante do
turco Nacib.
Sei
não, mas tenho uma desconfiança sobre isso tudo. Será que essa
rapaziada está se recordando, na verdade, de cenas de carnavais
passados, entranhadas na mais profunda infância, em que todos éramos
odaliscas, soldados, sheiks árabes, havaianos, caciques, chineses,
melindrosas e outros babados? Quem há de saber. De toda forma, morro
de medo de fazer uma regressão e descobrir que apunhalei Júlio
César nas escadarias do Senado romano.
Luiz Antonio Simas, em Crônicas exusíacas e estilhaços pelintras
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