Já
tinham se passado muitos dias desde a nossa chegada, e como estávamos
gostando bastante, a minha avó resolveu procurar um lugar para
morarmos. Ficamos felizes quando soubemos da vaga em uma casa de
cômodos na rua em que a Titilayo morava, um pouco mais perto do
mercado. Era uma construção comprida, na verdade duas construções,
uma de frente para a outra e separadas por um quintal, que servia de
cozinha para as mulheres e onde as crianças brincavam e os homens se
perdiam em conversas sob a sombra de alguma árvore. De cada lado do
quintal havia cinco cômodos, e ficamos com um cômodo do meio, muito
maior do que o corredor em que morávamos na casa da Titilayo. Tinha
espaço para as três esteiras, mais o altar de Xangô, de Nanã e
dos Ibêjis, e ainda uma mesa e duas cadeiras que o Ayodele conseguiu
com um amigo que sabia fabricá-las como as do estrangeiro e que nos
custaram quatro colares de cauris, dos médios. Ainda me lembro do
valor porque foi uma grande extravagância, mas uma pequena alegria
que a minha avó resolveu se dar. Ela tinha medo de que o dinheiro
não desse para pagar o aluguel, mas a Titilayo disse para ter fé
porque, além de vender fumo, obi e acará no mercado, ela também
poderia dançar, exercendo um direito que tinha sido da minha mãe, e
passado para ela quando se tornou responsável por nós. Ela
concordou, achando que não ia ganhar muito dinheiro porque já
estava velha e feia, mas, precisando, seria de grande ajuda. E se
mesmo assim não desse, em último caso eu e a Taiwo ainda poderíamos
pedir prendas em nome dos Ibêjis. Por medo, respeito ou agrado, os
comerciantes sempre haveriam de dar, mas este último caso nunca
chegou a acontecer.
No
dia em que nos mudamos para o cômodo, a Titilayo organizou uma
grande festa, com tambor e gente para cantar, com acará, obi, aluá,
vinho de palma, mandioca e peixe seco assado com farinha, além de
muitos doces. Só da casa da Titilayo foram dez pessoas, porque a
Meni estava noiva de um igbo que, como o nome dizia e a
Titilayo confirmou, era “bom de coração”, o Obioma. Ele dançava
engraçado, dava piruetas no ar e fazia todo mundo rir, e mais ainda
quando o Ayodele tentava imitá-lo e caía no chão. Todos os que
moravam nos outros cômodos também compareceram e levaram mais
comida e mais bebida, e, atraídas pelo barulho da festa, muitas
pessoas ficaram olhando da rua, aproveitando a música para fazer um
baile em frente à casa de cômodos. Alguns nos deram presentes, que
entregaram para a minha avó desejando boa sorte. Um homem alto e
vestido com roupa de branco, que morava no cômodo à direita do
nosso, segurou as mãos da minha avó e disse algo como “ó mãe
abençoada que vem do norte como a lufada do vento que traz a
fartura, que sejas duas vezes abençoada, mãe de mãe de ibêjis,
que o fogo de Xangô queime as impurezas dos seus caminhos e que
nunca lhe falte na mesa o óleo de palma e o sal, que dão tempero à
vida, nem a doçura do mel e nem a pureza da água, nem a ti e nem
aos Teus”, e muitas outras coisas bonitas que depois a Titilayo
disse se chamarem orikis. Foi naquele dia que eu e a Taiwo
ganhamos presentes das filhas da Titilayo, duas fitas para cabelo e
dois panos que pareciam vestidos, tudo azul, da cor do véu de
Iemanjá, que usamos na manhã seguinte para passear pelo mercado.
Ana Maria Gonçalves, em Um defeito de cor
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