terça-feira, 11 de junho de 2024

Palavras Palavras

Pedem-me que indique
uma –
a mais bela
palavrada língua portuguesa.
Começo como o enólogo
ou filólogo
a saboreá-las
nos cantos vários da boca.


CRISTAL
palavra sonora
iridescente
eco
irradiante e musical.

AROMA
termo que ressuma
e assoma
e levemente perfuma.

CARÍCIA
tem cicio
de lábios e dedos
dedilhando delícias.

LIBÉLULA
é leve pluma
pronunciá-la é despertar-lhe as asas
uma a uma.


Cada palavra reverbera
tonalidades íntimas.
E há aquelas que são redondas
como LÓBULO e GLÚTEOS
e vão ROLANDO como ONDAS.

E há outras tortas
quebradas
que saem aos cacos
como CACTOS e PACTO.

E há as finas
que entre as grades das sílabas
como o vento
passam SIBILINAS
as que vão COLEANTES
como SERPENTES SERPENTINAS
e as que peludas deslizam
como SUSSUARANA.

Há as pegajosas como LESMA e GOSMA
e as AMORFAS MOLES
como ROCAMBOLE.

Há as como TRICLÍNIO
que dão vontade de desdobrar
ou repousar
e outras como RUFLAR
barulho de penas no ar.
Há palavras macias e FOFAS
como PAINAS
e aquelas que parecendo algodão
são o contrário do que dizem
como FAINA.

Outras são duras, concretas
têm arestas como a alma
de certos não poetas.

Há as LÂNGUIDAS que a gente fala
e vê se desmanchando
e há as PERIPATÉTICAS
andando nos PARALELEPÍPEDOS
urbanos de forma geométrica.


Numa língua são belas
noutras impuras. Numa boca
são verdade, noutras
perjuras.
Há as fabricadas
em agências de propaganda
e as que renascem
na boca dos amantes
muitas são banais
conhecidas
quase sem cor e vida
mas de repente revelam
a sua secreta face
e fazem do usuário mais simples
um escritor ou poeta.

Affonso Romano de Sant’Anna, em A implosão da mentira e outros poemas [Ilustrações de Camila Mesquita]    

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