Motolinía
Frei
Toríbio de Motolinía caminha, descalço, montanha acima. Vai
carregando uma bolsa pesada nas costas.
De
Motolinía chamam, no linguajar do lugar, a quem é pobre ou
aflito, e ele veste ainda o hábito remendado e esfarrapado que lhe
deu nome há anos, quando chegou caminhando, descalço como agora, do
porto de Veracruz.
Se
detém no alto da ladeira. Aos seus pés, se estende a imensa lagoa e
nela resplandece a cidade do México. Motolinía passa a mão na
testa, respira fundo e crava na terra, uma depois da outra, dez
cruzes toscas, galhos amarrados com cordão, e enquanto as crava vai
oferecendo-as:
– Esta
cruz, meu Deus, pelas pestes que aqui não se conheciam e com tanta
sanha foram cevadas nos naturais.
– Esta
pela guerra e esta pela fome, que tantos índios mataram como gotas
há no mar e grãos na areia.
– Esta
pelos arrecadadores de tributos, zangões que comem o mel dos índios;
e esta pelos tributos, pois para cumprir com eles haverão de vender
os índios seus filhos e suas terras.
– Esta
pelas minas de ouro, que tanto fedem a morto que a uma légua não se
pode passar.
– Esta
pela grande cidade do México, erguida sobre as ruínas de
Tenochtitlán, e pelos que nas costas trouxeram vigas e pedras para
construí-la, cantando e gritando noite e dia, até morrer extenuados
ou esmagados pelos derrubamentos.
– Esta
pelos escravos que de todas as comarcas foram arrastados até esta
cidade, como manadas de animais, marcados no rosto; e esta pelos que
caem nos caminhos levando as grandes cargas de mantimentos para as
minas.
– E
esta, Senhor, pelos contínuos conflitos e escaramuças de nós, os
espanhóis, que sempre terminam em suplício e matança de mulos.
Ajoelhado
frente às cruzes, Motolinía roga:
– Perdoa-os,
Deus. Te suplico que os perdoes. De sobra sei que continuam adorando
seus ídolos sanguinários, e que se antes tinham cem deuses, contigo
têm cento e um. Eles não sabem distinguir a hóstia de um grão de
milho. Mas se merecem o castigo de Tua dura mão, também merecem a
piedade de Teu generoso coração.
Depois
Motolinía se persigna, sacode o hábito e empreende, ladeira abaixo,
o regresso.
Pouco
antes da Ave-Maria, chega ao convento. Solitário em sua cela, se
estende na cama e lentamente come um pão.
Eduardo Galeano, in Os Nascimentos
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