terça-feira, 11 de junho de 2024

Os Nascimentos | 1536 – Cidade do México

Motolinía

Frei Toríbio de Motolinía caminha, descalço, montanha acima. Vai carregando uma bolsa pesada nas costas.
De Motolinía chamam, no linguajar do lugar, a quem é pobre ou aflito, e ele veste ainda o hábito remendado e esfarrapado que lhe deu nome há anos, quando chegou caminhando, descalço como agora, do porto de Veracruz.
Se detém no alto da ladeira. Aos seus pés, se estende a imensa lagoa e nela resplandece a cidade do México. Motolinía passa a mão na testa, respira fundo e crava na terra, uma depois da outra, dez cruzes toscas, galhos amarrados com cordão, e enquanto as crava vai oferecendo-as:
Esta cruz, meu Deus, pelas pestes que aqui não se conheciam e com tanta sanha foram cevadas nos naturais.
Esta pela guerra e esta pela fome, que tantos índios mataram como gotas há no mar e grãos na areia.
Esta pelos arrecadadores de tributos, zangões que comem o mel dos índios; e esta pelos tributos, pois para cumprir com eles haverão de vender os índios seus filhos e suas terras.
Esta pelas minas de ouro, que tanto fedem a morto que a uma légua não se pode passar.
Esta pela grande cidade do México, erguida sobre as ruínas de Tenochtitlán, e pelos que nas costas trouxeram vigas e pedras para construí-la, cantando e gritando noite e dia, até morrer extenuados ou esmagados pelos derrubamentos.
Esta pelos escravos que de todas as comarcas foram arrastados até esta cidade, como manadas de animais, marcados no rosto; e esta pelos que caem nos caminhos levando as grandes cargas de mantimentos para as minas.
E esta, Senhor, pelos contínuos conflitos e escaramuças de nós, os espanhóis, que sempre terminam em suplício e matança de mulos.
Ajoelhado frente às cruzes, Motolinía roga:
Perdoa-os, Deus. Te suplico que os perdoes. De sobra sei que continuam adorando seus ídolos sanguinários, e que se antes tinham cem deuses, contigo têm cento e um. Eles não sabem distinguir a hóstia de um grão de milho. Mas se merecem o castigo de Tua dura mão, também merecem a piedade de Teu generoso coração.
Depois Motolinía se persigna, sacode o hábito e empreende, ladeira abaixo, o regresso.
Pouco antes da Ave-Maria, chega ao convento. Solitário em sua cela, se estende na cama e lentamente come um pão.

Eduardo Galeano, in Os Nascimentos

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