O
que acontece às vezes com minha ignorância é que ela deixa de ser
sentida como uma omissão e se torna quase palpável, assim como a
escuridão, a gente às vezes parece que pode ser pega. Quando é
sentida como uma omissão, pode dar uma sensação de mal-estar, uma
sensação de não estar a par, enfim de ignorância mesmo. Quando
ela se torna quase palpável como a escuridão, ela me ofende. O que
ultimamente tem-me ofendido – e é uma ofensa mesmo porque dessa eu
não tenho culpa, é uma ignorância que me é imposta – o que tem
ultimamente me ofendido é sentir que em vários países há
cientistas que mantêm em segredo coisas que revolucionariam meu modo
de ver, de viver e de saber. Por que não contam o segredo? Porque
precisam dele para criar novas coisas, e porque temem que a revelação
cause pânico, por ser precoce ainda.
Então
eu me sinto hoje mesmo como se estivesse na Idade Média. Sou roubada
de minha própria época. Mas entenderia eu o segredo se me fosse
revelado? Ah, haveria, tinha de haver um modo de eu me pôr em
contato com ele.
Ao
mesmo tempo estou cheia de esperanças no que o segredo encerra.
Estão nos tratando como criança a quem não se assusta com verdades
antes do tempo. Mas a criança sente que vem uma verdade por aí,
sente como um rumor que não sabe de onde vem. E eu sinto um sussurro
que promete. Pelo menos sei que há segredos, que o mundo físico e
psíquico seria visto por mim de um modo totalmente novo – se ao
menos eu soubesse. E tenho que ficar com a tênue alegria mínima do
condicional “se eu soubesse”. Mas tenho que ter modéstia com a
alegria. Quanto mais tênue é a alegria, mais difícil e mais
precioso de captá-la – e mais amado o fio quase invisível da
esperança de vir a saber.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
Nenhum comentário:
Postar um comentário