Eu
já contei esse caso do papagaio Zé Augusto algumas vezes, mas
ninguém acredita. Felizmente, tenho testemunhas. Não somente a
família toda é testemunha, como alguns amigos, que tiveram a
oportunidade de ver Zé Augusto depois que ele chegou aos paroxismos
do vício, por assim dizer. É uma história triste.
Lá
em casa, sempre tivemos bichos doidos. Uma vez, por exemplo, quando a
gente morava perto de Cotinguiba, em Sergipe, meu pai pegou um torrão
de barro pequeno e o jogou num pinto já meio frangote, que estava
ciscando uma plantinha de estimação. Aconteceu que o torrão pegou
na cabeça do bicho e ele ficou maluco, deu muito trabalho depois.
Para comer era uma dificuldade, porque ele partia para a comida de
marcha a ré e considerava necessário fazer umas piruetas antes de
bicar o milho. E ele sempre errava de milho, era uma produção muito
grande dar comida a esse frango. Mas cresceu, ficou um belo galo e se
dava muito bem com toda a família. Todo mundo gostava dele, apesar
do problema que ele tinha na idéia. Até com as galinhas ele se dava
bem, embora errasse bastante (meu pai dizia que não era erro, era
porque o bicho era inovador) e tivesse sido, provavelmente,
responsável por vários escândalos naquele galinheiro. Morreu de
velho. Segundo minha mãe, muito feliz, porque não sabia que ia
morrer e até a última hora ficou dançando aquelas dancinhas dele,
ninguém dizia que já estava nas últimas.
Desta
forma, não se estranhou Zé Augusto. Zé Augusto era um papagaio
azul que deram de presente a meu pai e que só falava “Zé
Augusto”. A gente mostrava esse papagaio a todo mundo que aparecia,
porque ele tinha um ar muito inteligente e, quando se perguntava como
era o nome dele, ele respondia “Zé Augusto”. Mas depois não
dizia mais nada e a pessoa ficava decepcionada. Minha irmã hoje acha
que era um problema de temperamento difícil mais do que propriamente
limitação de recursos, embora não se possa ter certeza, a esta
altura.
O
fato é que Zé Augusto vivia ali, na dele, num poleiro instalado
junto do tanque de lavar roupa, onde havia uma tomada para máquina
de lavar roupa, sem máquina de lavar roupa. Não incomodava ninguém,
passava o dia inteiro comendo as comidinhas dele e balançando a
cabeça. Na realidade, ele balançava tanto a cabeça que só podia
ser de desgosto ou de desilusão, hoje é que a pessoa entende. Mas,
um dia, minha irmã anunciou à mesa:
— Minha
mãe, Zé Augusto está tomando choque. Já peguei uma ou duas vezes.
Minha
mãe pediu esclarecimentos. Aconteceu que o papagaio roeu a tomada e
agora, assim umas três ou quatro vezes por dia, olhava para um lado,
olhava para o outro, e enfiava a língua no fio descoberto, para
tomar choque. O choque devia ser um grande barato, porque ele ficava
arrepiado, se tremia todo, largava o fio e passava os próximos cinco
minutos agitadíssimo, percorrendo nervosamente o poleiro de ponta a
ponta. No começo, minha mãe teve uma certa tolerância. Houve pelo
menos uma vez em que eu quis levar uns amigos para mostrar o truque
do “como é seu nome”, e ela mandou que eu esperasse.
— Espere
mais uns quinze minutos, eu acho que está na hora do choque dele.
E,
de fato, ele ficava acanhado, no começo, em tomar o choque na frente
de visitas, ou mesmo de alguém da família que estivesse observando
muito de perto. Só quando a pessoa não desistia mesmo é que ele
acabava não agüentando e tomava o choque de qualquer jeito, mas
ficava de péssimo humor, ameaçava bicar quem estivesse por perto e
dava até uns gritos, coisa que, justiça seja feita, ele só fazia
quando o chateavam demais.
O
problema, entretanto, surgiu quando ele passou a tomar um número
cada vez maior de choques. Nos últimos dias, era praticamente um
choque de cinco em cinco minutos, uma coisa triste de se ver. As
penas começaram a cair, nem mesmo “Zé Augusto” ele falava mais,
comia pouco, suspirava, interrompia qualquer tentativa de aproximação
com um novo choque, e assim por diante. Minha mãe tentou
recuperá-lo, conversava com ele, tinha paciência, mas nada
adiantava. Quando a gente tentou cobrir o fio com fita isolante, ele
só faltou botar a casa abaixo com a gritaria que fez, além de ter
reduzido a picadinho a pouca fita isolante que conseguimos botar. Era
um caso perdido. Num belo domingo, lembro como se fosse hoje, minha
mãe comunicou à hora do almoço que ia dar Zé Augusto, já tinha
encontrado quem quisesse e essa pessoa já sabia do problema dele.
— Eu,
particularmente — disse minha mãe —, acredito que não adianta
afastar Zé Augusto dos choques muito repentinamente. Ele pode ter
um trauma. Então eu expliquei que devem fazer a coisa com cuidado,
gradualmente. Mas o que eu não posso é ter um animal viciado em
casa, é um péssimo exemplo para as crianças.
— Principalmente
porque não fala nada — disse meu pai, e nunca mais nós vimos Zé
Augusto.
João Ubaldo Ribeiro, em O rei da noite
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