O
condomínio se chama Happy Houses. No portão de entrada está
escrito “Entrance” em vez de “Entrada” e todas as ruas têm
nomes em inglês, como “Flower Lane” e “Sunshine Street”. O
condomínio tem um “playground” para as crianças, com serviço
permanente de “baby-sitters” e uma área de lazer para adultos
chamada “Relaxation and Recreation”. Cada casa, em estilo
americano, tem seu “swimming pool” e o policiamento de todo o
projeto é fornecido pela empresa de segurança “Confidence”. No
Natal, as casas ficam cobertas de luzinhas decorativas e os moradores
costumam fazer uma grande festa comunitária na praça central, ou
“Central Park”, do condomínio, com Papai Noel, troca de
presentes e tudo, ao som de Jingle Bells. E sempre há um que
começa a cantar White Christmas, e não demora estão todos
cantando, em inglês, que sonham com um Natal branco, com um Natal
com neve. E, numa noite de Natal, aconteceu o seguinte: quando
estavam todos cantando White Christmas começou a nevar sobre
o condomínio.
A
princípio, ninguém acreditou. O que era aquilo? Flocos brancos
caindo do céu e se acumulando no chão do “Central Park”, nos
galhos da árvore de Natal, na cabeça das pessoas? Parecia neve.
— É
neve! — exclamou alguém.
— Como,
neve? Aqui? No verão? Com este ca...
Não
pôde completar a frase porque foi atingido no nariz por uma bola de
(agora não havia mais dúvidas) neve.
A
algazarra foi grande. O sonho se realizava. As preces tinham sido
ouvidas. Pois só um milagre explicava aquela neve. Só um milagre
explicava estarem tendo um Natal branco, como deveriam ser todos os
natais.
Todos
correram para dentro de suas casas, para procurar agasalhos e voltar
para a praça. A neve não parava de cair, cada vez com mais
intensidade. Já havia neve acumulada nos jardins e nos telhados.
Surgiram bonecos de neve, iguais aos de filme americano. As crianças
se divertiam rolando na neve. E continuava a nevar, e a nevar. A
locomoção sobre os montes de neve se tornava difícil. Muitos
decidiram voltar para suas casas antes que a neve os impedisse de
andar nas ruas. As casas não tinham calefação, como seria se
ficassem soterrados pela neve durante dias? As lareiras das casas
eram só para dar um toque americano, como nos filmes, à decoração.
Não adiantariam nada. O socorro demoraria a chegar, por causa da
neve. E continuava a nevar, e a nevar. A neve já estava pelas
janelas das casas. Os telhados poderiam não aguentar o peso de tanta
neve acumulada. Ninguém dormiu tranquilo sob as cobertas, naquela
noite.
No
dia seguinte, outro milagre. A neve desaparecera por completo. Só
restara um montinho na cabeça de um jacaré de borracha boiando numa
das piscinas, e este também desapareceu com o calor. Os
proprietários se reuniram no “Meeting Room” da “Relaxation and
Recreation” para discutir o fenômeno. Estranhamente, não saíra
nenhuma notícia de nevadas em outros lugares da região. A neve só
caíra no “Happy Houses”. Por que seria? Decidiram não falar do
ocorrido para ninguém fora do condomínio. Se acontecesse outra vez,
contariam. Ser o único lugar do Brasil em que nevava no Natal só
aumentaria o valor das propriedades. Mas, por enquanto, não diriam
nada. A nevada poderia muito bem ter sido uma lição.
Luís Fernando Veríssimo, em Diálogos Impossíveis
Nenhum comentário:
Postar um comentário