2.
Ando
em meio a esse povo e mantenho os olhos abertos: eles não me perdoam
que eu não tenha inveja de suas virtudes.
Eles
procuram me morder, porque lhes falo que para pessoas pequenas são
necessárias virtudes pequenas — e porque me é difícil aceitar
que pessoas pequenas sejam necessárias.
Ainda
pareço o galo num quintal novo, que mesmo as galinhas procuram
bicar; mas nem por isso levo a mal essas galinhas.
Sou
polido com eles e com todos os pequenos aborrecimentos; ser espinhoso
com o que é pequeno parece-me uma sabedoria de ouriço.
Todos
eles falam de mim, quando se sentam ao redor do fogo, à noite —
eles falam de mim, mas ninguém pensa — em mim!
É
este o novo silêncio que aprendi: seu barulho a meu redor estende um
manto sobre meus pensamentos.
Eles
fazem alvoroço entre si: “Que quer de nós essa nuvem sombria?
Cuidemos que não nos traga uma peste!”.
E
há pouco uma mulher puxou para si o filho, que vinha em direção a
mim: “Levai as crianças!”, gritou ela, “olhos assim queimam as
almas das crianças”.
Eles
tossem quando falo: acham que tossir é uma objeção contra ventos
fortes — nada adivinham do rugir de minha felicidade!
“Ainda
não temos tempo para Zaratustra” — assim objetam; mas que
importa um tempo que “não tem tempo” para Zaratustra?
E,
mesmo quando me elogiam: como poderia eu adormecer com o seu louvor?
Um cinturão de espinhos é para mim seu louvor: arranha-me também
quando o retiro.
E
isto igualmente aprendi com eles: o louvador se porta como se
retribuísse, mas, na verdade, quer receber mais!
Perguntai
a meu pé se lhe agrada sua maneira de louvar e atrair! Em verdade,
nesse compasso e tique-taque ele não gosta de dançar nem de ficar
parado.
Para
a pequena virtude gostariam de me atrair e louvar; ao tique-taque da
pequena virtude gostariam de persuadir meu pé.
Ando
em meio a esse povo e mantenho os olhos abertos: eles ficaram menores
e se tornam cada vez menores: — mas isto se deve à sua doutrina
da felicidade e da virtude.
É
que são modestos também na virtude — pois querem o bem-estar. Mas
somente a virtude modesta condiz com o bem-estar.
Sem
dúvida, também aprendem a caminhar à sua maneira, e caminhar para
a frente: a isso chamo seu claudicar —. Assim se tornam um
obstáculo para todo aquele que tem pressa.
E
mais de um anda para a frente e olha para trás, com o pescoço rijo:
nesses gosto de dar um encontrão.
Pé
e olho não devem mentir, nem desmentir um ao outro. Mas há muita
mentira entre as pessoas pequenas.
Alguns
deles querem, mas a maioria é apenas objeto do querer. Alguns deles
são autênticos, mas a maioria é de maus atores.
Há
atores sem o saber entre essas pessoas, e atores sem o querer —, os
autênticos são sempre raros, em especial os atores autênticos.
Há
pouca virilidade aqui: daí se masculinizarem suas mulheres. Pois
apenas quem for viril o suficiente irá, na mulher, — redimir a
mulher.
E
esta hipocrisia me pareceu a pior entre eles: que também os que
mandam simulam as virtudes dos que servem.
“Eu
sirvo, tu serves, nós servimos” — assim também reza, aqui, a
hipocrisia dos dominantes — e que infelicidade, quando o primeiro
senhor é apenas o primeiro servidor!
Ah,
também nas suas hipocrisias se extraviou a curiosidade de meu olhar;
e bem adivinhei toda a sua felicidade de moscas e seu zumbir junto a
vidraças banhadas de sol.
Tanta
bondade, tanta fraqueza enxergo eu. Tanta justiça e compaixão,
tanta fraqueza.
Redondos,
corretos e bondosos são eles uns com os outros, tal como grãos de
areia são redondos, corretos e bondosos uns com os outros.
Modestamente
abraçar uma pequena felicidade — a isso chamam “resignação”!
E nisso já olham modestamente de soslaio para uma nova pequena
felicidade.
No
fundo, simploriamente querem uma coisa acima de tudo: que ninguém
lhes faça mal. Assim, são obsequiosos com todos e lhes fazem bem.
Isso,
porém, é covardia — embora se chame “virtude”. —
E,
se alguma vez falam rudemente, essas pessoas pequenas: eu ouço nisso
apenas a sua rouquidão — pois qualquer corrente de ar as
enrouquece.
São
sagazes, suas virtudes têm dedos sagazes. Mas faltam-lhes os punhos,
seus dedos não sabem esconder-se atrás de punhos.
Para
elas, virtude é o que torna modesto e manso: com ela transformaram o
lobo em cão, e o próprio homem, no melhor animal doméstico do
homem.
“Pomos
nossa cadeira no meio” — diz-me seu sorriso complacente —,
“tão distante de lutadores moribundos como de porcos satisfeitos.”
Isso,
porém, é mediocridade: embora se chame comedimento.
Friedrich Nietzsche, em Assim Falou Zaratustra
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