quinta-feira, 30 de maio de 2024

Da virtude que apequena

1.

Quando Zaratustra novamente se achou em terra firme, não foi diretamente para sua montanha e sua caverna, e sim percorreu muitos caminhos e fez muitas perguntas e se informou sobre isso e aquilo, de tal modo que disse de si mesmo, gracejando: “Eis um rio que faz numerosas curvas e retorna à fonte!”. Pois ele queria saber o que havia sucedido com o ser humano naquele meio-tempo: se este se tornara maior ou menor. E certa vez enxergou uma fileira de casas novas; admirou-se, e disse:
Que significam essas casas? Em verdade, nenhuma grande alma as pôs ali como símbolos de si própria!
Uma criança idiota as tirou de sua caixa de brinquedos? Então, que outra criança as pusesse de volta na caixa!
E esses aposentos e câmaras: será que homens podem entrar e sair deles? Parecem-me feitos para bonecas de seda; ou para gatos gulosos que também se deixam degustar.

E Zaratustra permaneceu parado e refletiu. Por fim disse, com tristeza: “Tudo ficou menor!
Em toda parte vejo portões mais baixos: quem é de minha espécie ainda passa por eles, mas — tem de se abaixar!
Oh, quando estarei de volta a minha terra, onde não mais terei de me abaixar — de me abaixar diante dos pequenos!” — E Zaratustra suspirou e olhou na distância. —
Nesse mesmo dia, porém, ele proferiu seu discurso sobre a virtude que apequena.

Friedrich Nietzsche, in Assim Falou Zaratustra

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