Não
lhes disse ainda, – mas digo-o agora, – que quando Virgília
descia a escada, e o oficial de marinha me tocava no ombro, tinha eu
cinquenta anos. Era portanto a minha vida que descia pela escada
abaixo, – ou a melhor parte, ao menos, uma parte cheia de prazeres,
de agitações, de sustos, – capeada de dissimulação e
duplicidade, – mas enfim a melhor, se devemos falar a linguagem
usual. Se, porém, empregamos outra sublime, a melhor parte foi a
restante, como eu terei honra de lhes dizer nas poucas páginas deste
livro.
Cinquenta
anos! Não era preciso confessá-lo. já se vai sentindo que o meu
estilo não é tão lesto como os primeiros dias. Naquela ocasião,
cessado o diálogo com o oficial de marinha, que enfiou a capa e
saiu, confesso que fiquei um pouco triste. Voltei à sala, lembrou-me
dançar uma polca, embriagar-me das luzes, das flores, dos cristais,
dos olhos bonitos, e do burburinho surdo e ligeiro das conversas
particulares. E não me arrependo; remocei. Mas, meia hora depois,
quando me retirei do baile, às quatro da manhã, o que é que fui
achar no fundo do carro? Os meus cinquenta anos. Lá estavam eles os
teimosos, não tolhidos de frio, nem reumáticos, – mas cochilando
a sua fadiga, um pouco cobiçosos de cama e de repouso. Então, – e
vejam até que ponto pode ir a imaginação de um homem, com sono, –
então pareceu-me ouvir de um morcego encarapitado no tejadilho:
Senhor Brás Cubas, a rejuvenescência estava na sala, nos cristais,
nas luzes, nas sedas, – enfim, nos outros.
Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas
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