Como
eu acabava de dizer aquilo, pelo processo ventríloco-cerebral, – o
que era simples opinião e não remorso, – senti que alguém me punha
a mão no ombro. Voltei-me; era um antigo companheiro, oficial de
marinha, jovial, um pouco despejado de maneiras. Ele sorriu
maliciosamente, e disse-me:
– Seu
maganão! Recordações do passado, hem?
– Viva
o passado!
– Você
naturalmente foi reintegrado no emprego.
– Salta,
pelintra! disse eu, ameaçando-o com o dedo.
Confesso
que este diálogo era uma indiscrição, – principalmente a última
réplica. E com tanto maior prazer o confesso, quanto que as mulheres
é que têm fama de indiscretas, e não quero acabar o livro sem
retificar essa noção do espírito humano. Em pontos de aventura
amorosa, achei homens que sorriam; ou negavam a custo, de um modo
frio, monossilábico, etc., ao passo que as parceiras não davam por
si, e jurariam aos Santos Evangelhos que era tudo uma calúnia. A
razão desta diferença é que a mulher (salva a hipótese do
capítulo 101 e outras) entrega-se por amor, ou seja o amor-paixão
de Stendhal, ou o puramente físico de algumas damas romanas, por
exemplo, ou polinésias, lapônias, cafres, e pode ser que outras
raças civilizadas; mas o homem, – falo do homem de uma sociedade
culta e elegante – o homem conjuga a sua vaidade ao outro
sentimento. Além disso (e refiro-me sempre aos casos defesos), a
mulher, quando ama outro homem, parece-lhe que mente a um dever, e
portanto tem de dissimular com arte maior, tem de refinar a
aleivosia; ao passo que o homem, sentindo-se causa da infração e
vencedor de outro homem, fica legitimamente orgulhoso, e logo passa a
outro sentimento menos ríspido e menos secreto, – essa meiga
fatuidade que é a transpiração luminosa do mérito.
Mas
seja ou não verdadeira a minha explicação, basta-me deixar escrito
nesta página, para uso dos óculos, que a indiscrição das mulheres
é uma burla inventada pelos homens; em amor, pelo menos, elas são
um verdadeiro sepulcro. Perdem-se muita vez por desastradas, por
inquietas, por não saberem resistir aos gestos, aos olhares; e é
por isso que uma grande dama e fino espírito, a rainha de Navarra,
empregou algures esta metáfora para dizer que toda a aventura
amorosa vinha a descobrir-se por força, mais tarde ou mais cedo:
“Não há cachorrinho tão adestrado, que alfim lhe não ouçamos o
latir.”
Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas
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