sexta-feira, 1 de março de 2024

Sobre a brevidade da vida

I

A maior parte dos mortais, Paulino, queixa-se da malignidade da natureza, porque somos gerados para uma curta existência, porque esse espaço de tempo que nos é dado transcorre tão veloz, tão rápido, que, com exceção de bem poucos, os demais a vida os deixa exatamente nos preparativos para a vida. E não é, conforme opinam, só a massa de insensatos que deplorou esse mal comum: esse sentimento provocou queixas também de homens ilustres. Daí aquela conhecida frase do maior dos médicos: “A vida é breve, a arte é longa”. Daí também o questionamento de Aristóteles, nada conveniente para um homem sábio, quando protesta contra a natureza pelo fato de ela ter concedido aos animais uma vida tão longa que eles podem durar cinco ou dez gerações, e ao homem, criado para tantas e importantes realizações, ter estabelecido um limite tão inferior. Não dispomos de pouco tempo, mas desperdiçamos muito. A vida é longa o bastante e nos foi generosamente concedida para a execução de ações as mais importantes, caso toda ela seja bem aplicada. Porém, quando se dilui no luxo e na preguiça, quando não é despendida em nada de bom, somente então, compelidos pela necessidade derradeira, aquela que não havíamos percebido passar, sentimos que já passou. É assim que acontece: não recebemos uma vida breve, mas a fazemos; dela não somos carentes, mas pródigos. Tal como amplos e magníficos recursos, quando vêm para um mau detentor, são dissipados num instante, ao passo que, por mais modestos que sejam, se entregues a um bom guardião, crescem pelo uso que se faz deles, assim também a nossa existência é bastante extensa para quem dela bem dispõe.

Sêneca, in Sobre a brevidade da vida

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