quarta-feira, 27 de março de 2024

Refugiado

À Mahmoud Darwish

Quero, antes de tudo, que registrem-me
EM LETRAS GARRAFAIS:
não sou um número, tenho um nome.
Minha identidade não é documento.
As árvores me conhecem desde a tenra infância.
Não sou bárbaro.
Não matei, não roubei, não oprimi.
Fugi de uma guerra que não era minha.
O terror que te preocupas,
tirou de mim, minha família.

A terra da qual migrei está longe,
mas ainda vive dentro de mim.
Meu endereço?
Todos os corações que ficaram
e os que se perderam.
Minha pátria, agora,
é só o que posso carregar
no peito e nas costas.

Meu coração está aberto,
mas o porto está fechado para nós.
Tem piedade, ó Senhor dos Cáucasos.
O oriente é invenção do ocidente.
Nossa história de privação e dispersão
já atravessa os séculos.
Não pregue na cruz nossa liberdade
de viver e trabalhar.

Quero abraçar este cinturão de terra,
como quem encontra a amada,
como se fosse minha
esta terra que me foi negada.
Não quero, nem quis ser exilado.

Perdoem-me se minhas palavras são amargas
o estampido de uma guerra ensurdecente
ainda explode minha voz
em estilhaços.

Diego Ruas, in A fome é a mãe de todas as bombas

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