domingo, 3 de março de 2024

Posfácio | Bônus Track


As 101 melhores, ou mais bonitas, ou mais importantes canções brasileiras não existem.
Podem-se fazer várias listas de 101 canções, umas tão boas quanto outras, por gênero, por época, por importância histórica ou sucesso popular, além da excelência melódica, harmônica, rítmica e poética. Poderiam ser até 1.001, tal a criatividade e a diversidade dos compositores brasileiros nos últimos 101 anos.
Uma das grandes qualidades da música brasileira é a variedade inigualável de gêneros, estilos, ritmos e misturas musicais, de Belém a Porto Alegre, em épocas distintas e sob múltiplas influências, que representam nossa diversidade étnica e cultural. Entre as inúmeras canções lindas, alegres, dramáticas, românticas, divertidas, trágicas, políticas, sociais, dos mais variados ritmos e estilos, que se tornaram populares e marcaram seu tempo, algumas tocaram especialmente o Brasil, nos nossos melhores e piores momentos, e se tornaram trilha sonora de nossa história pessoal e coletiva.
Mas listas de músicas que marcam a vida de cada um são como impressões digitais: não há duas iguais. Das que mais tocaram o coração do Brasil, estas 101 estão entre as mais bonitas, populares, importantes e originais. Mas muitas outras, que não cabem em um só livro, também formam uma riquíssima coleção de canções de vários estilos e gerações.
Bastaria a obra musical de Tom Jobim, de Dorival Caymmi, de Ary Barroso, de Noel Rosa ou de Chico Buarque para compor uma lista inestimável de mais bonitas, mais importantes, mais originais. Porém há muitas outras, além das já citadas nas informações sobre a obra dos compositores das 101: a maior qualidade da música brasileira é sua diversidade.
Grandes músicas que marcaram o coração do Brasil, como “É o amor”, de Zezé di Camargo, megassucesso sertanejo nos anos 1990 e depois gravada por Maria Bethânia; sucessos eternos da Jovem Guarda, como “Vem quente que eu estou fervendo” e “O bom”, de Eduardo Araújo e Carlos Imperial, e “Negro gato”, de Getúlio Côrtes; belas canções do estilo romântico popular que foi chamado de brega, como “Sonhos” e “Sozinho”, de Peninha, e “Dia de domingo” e “Me dê motivo”, de Sullivan e Massadas, também fizeram história.
Entre tantas tão boas, não faltam grandes clássicos do samba-canção, como “Molambo” (Jaime Florence e Augusto Mesquita), “Saia do caminho” (Custódio Mesquita e Evaldo Rui), “Chuvas de verão” (Fernando Lobo), “Canção de amor” (Chocolate e Elano de Paula), “Chove lá fora” (Tito Madi), e os mais recentes “Beijo partido” (Toninho Horta), “Jura secreta” (Suely Costa e Abel Silva) e “Simples carinho” (João Donato e Abel Silva).
O mundo do samba também contribui com incontáveis clássicos. Entre eles, destacam-se “Jura” e “Gosto que me enrosco” (Sinhô), “Agora é cinza” (Bide e Marçal), “Antonico” e “Contrastes” (Ismael Silva), “Mulata assanhada” e “Na cadência do samba” (Ataulfo Alves), “Falsa baiana” e “Escurinho” (Geraldo Pereira), “Segredo” e “Ave Maria no morro” (Herivelto Martins), “De conversa em conversa” (Lúcio Alves e Haroldo Barbosa) e “Pra que discutir com madame?” (Haroldo Barbosa e Janet Almeida), “Camisa listrada” (Assis Valente), “Canta Brasil” (Alcyr Pires Vermelho e David Nasser), “Adeus América” (Geraldo Jacques e Haroldo Barbosa), “A fonte secou” (Monsueto Menezes, Raul Moreno e Marcléo), “Volta por cima” (Paulo Vanzolini), “Senhora liberdade” e “Coisa da antiga” (Wilson Moreira e Nei Lopes), “Vou festejar” (Jorge Aragão, Dida e Neoci) e “O samba é meu dom” (Wilson das Neves e Paulo César Pinheiro).
As marchinhas de Carnaval são um capítulo especial da música brasileira, fazendo crônica social e crítica de costumes com alegria e humor em clássicos como “Alá-lá-ô” (Haroldo Lobo e Antônio Nássara), “Yes, nós temos bananas” e “Jardineira” (João de Barro), “Sassaricando” (Jota Júnior, Luís Antônio e Oldemar Magalhães), “Balzaquiana” (Nássara e Wilson Batista), “Marcha do gago” (Armando Cavalcanti e Klécius Caldas), até “Folia no matagal” (Eduardo Dussek e Luis Carlos Góes).
São muitas as canções imortais da bossa nova, não só de Tom Jobim, mas de Carlos Lyra (“Você e eu”, “Sabe você” e “Coisa mais linda”, com Vinicius de Morais, e “Se é tarde me perdoa”, “Saudade fez um samba” e “Lobo bobo”, com Bôscoli), de Roberto Menescal (“Nós e o mar”, “Ah, se eu pudesse” e “Rio”, com Ronaldo Bôscoli, e “Bye Bye Brasil”, com Chico Buarque), de Luiz Bonfá (“Manhã de Carnaval”, com Antônio Maria), do grande estilista João Donato (“Naquela estação”, com Caetano Veloso e Ronaldo Bastos, “A Paz”, com Gilberto Gil, “Brisa do mar”, com Chico Buarque).
A tradição romântica brasileira emociona e encanta com valsas e modinhas, desde “Linda Flor” (Henrique Vogeler, Luiz Peixoto Marques Porto) e “Casinha pequenina” (autor desconhecido, 1906), a clássicos de Custódio Mesquita, como “Nada além” (com Mário Lago) e “Mulher” (com Sady Cabral). E tantas outras, como “Boa noite amor” (José Maria de Abreu e Francisco Matoso), “Lábios que beijei” (J Cascata e Leonel Azevedo), “Curare” (Bororó), “Eu sonhei que tu estavas tão linda” (Lamartine Babo), “Nova ilusão” (José Menezes e Luiz Bittencourt), “Vida de bailarina” (Chocolate e Américo Seixas), “A saudade mata a gente” (João de Barro e Antônio Almeida) e “Começar de novo” (Ivan Lins e Vitor Martins).
A obra de Roberto e Erasmo Carlos, os maiores hitmakers da nossa história, em sua diversidade de temas e estilos, constitui-se, por si só, em uma trilha sonora dos sentimentos brasileiros de várias gerações, com canções de alta qualidade como “Além do horizonte”, “Do fundo do meu coração”, “Café da manhã”, “Cavalgada”, “Jesus Cristo”, “Sua estupidez”, “Amada amante”, “O portão”, “As curvas da estrada de Santos”, “Se você pensa”, “Sentado à beira do caminho”... São tantas emoções, há tanto tempo.
Além dos clássicos já listados, o rock brasileiro também produziu grandes músicas que marcaram época com humor, alegria e irreverência, desde “Ando meio desligado”, dos Mutantes, e “Metamorfose ambulante”, de Raul Seixas, aos seminais Blitz (“Você não soube me amar”, de Evandro Mesquita, Ricardo Barreto, Guto Barros e Zeca Mendigo) e Gang 90 e as Absurdettes, de Júlio Barroso (“Perdidos na selva”, com Guilherme Arantes), “Corações psicodélicos” (com Lobão) e “Nosso louco amor” (com Herman Torres). Destacam-se ainda o RPM de Paulo Ricardo e Luiz Schiavon (“Louras geladas”); Lobão com “Vida bandida” e “Chorando no Campo” (com Bernardo Vilhena), “Décadence avec élégance” e “Nostalgia da modernidade”, uma fabulosa mistura de samba e rock pesado; Léo Jaime (“Rock da cachorra”), Ritchie e Bernardo Vilhena (“Menina veneno”), e Cazuza, que começou no rock e fez o que quis do jeito que quis (“O tempo não para”, com Arnaldo Brandão, “Faz parte do meu show”, com Renato Ladeira, “Maior abandonado” e “Blues da piedade”, com Roberto Frejat, e “Eu preciso dizer que te amo”, com Dé Palmeira e Bebel Gilberto).
A moderna canção nordestina produziu pérolas como “À primeira vista”, de Chico César, “É d’Oxum”, de Gerônimo, “Anunciação” e “Vou danado pra Catende”, de Alceu Valença, e “Canção da despedida”, de Geraldo Vandré e Geraldo Azevedo. Acrescentam-se ainda clássicos na voz de Dominguinhos, como “De volta pro aconchego” (com Nando Cordel) e “Só quero um xodó” (com Anastácia), até “Paciência” (Lenine) e “Esperando na janela” (Targino Gondim).
E frevos que incendiaram as ruas: de “Evocação”, de Nelson Ferreira, a “Frevo mulher”, de Zé Ramalho, “Festa do interior”, de Moraes Moreira e Abel Silva, e “Banho de cheiro”, de Carlos Fernando.
Das modinhas e choros ao funk e o tecnobrega, a música brasileira acompanha os movimentos do país com canções que contam a história de um tempo e dos sentimentos dos brasileiros com qualidade, quantidade e diversidade.

Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil

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