quarta-feira, 27 de março de 2024

Os Nascimentos | 1532 – Cajamarca

Pizarro

Mil homens vão varrendo o caminho do Inca até a vasta praça onde aguardam, escondidos, os espanhóis. A multidão treme ao passar o Pai Amado, o Uno, o Único, o dono do trabalho e das festas; calam os que cantam e se detêm os que dançam. À pouca luz, a última do dia, relampagueiam de ouro e prata as coroas e as roupas de Atahualpa e seu cortejo de senhores do reino.
Onde estão os deuses trazidos pelos ventos? O Inca chega ao centro da praça e ordena esperar. Há uns dias, um espião se meteu no acampamento dos invasores, puxou-lhes as barbas e voltou dizendo que não eram mais que um punhado de ladrões saídos do mar. Esta blasfêmia custou-lhe a vida. Onde estão os filhos de Wiracocha que levam estrelas nos calcanhares e descarregam trovões que provocam o estupor, o estampido e a morte?
O sacerdote Vicente de Valverde emerge das sombras e sai ao encontro de Atahualpa. Com uma das mãos ergue a Bíblia e com a outra um crucifixo, como conjurando uma tormenta em alto-mar, e grita que aqui está Deus, o verdadeiro, e que todo o resto é burla. O intérprete traduz e Atahualpa, no alto da multidão, pergunta:
Quem te disse isso?
Está dito na Bíblia, o livro sagrado.
Então deixe que ela me diga.
A poucos passos, atrás de uma parede, Francisco Pizarro desembainha a espada.
Atahualpa olha a Bíblia, faz com que ela dê voltas em sua mão, sacode-a para que soe e aperta-a contra o ouvido:
Não diz nada. Está vazia.
E a deixa cair.
Pizarro espera este momento desde o dia em que se ajoelhou frente ao imperador Carlos V, descreveu-lhe o reino grande como a Europa que tinha descoberto e se propunha a conquistar e prometeu-lhe o mais esplêndido tesouro da história da humanidade. E desde antes: desde o dia em que sua espada traçou uma linha na areia e uns poucos soldados mortos de fome, inchados pelas pragas, juraram acompanhá-lo até o final. E desde antes ainda, desde muito antes: Pizarro espera este momento desde cinquenta e quatro anos atrás, quando foi atirado à porta de uma igreja da Extremadura e bebeu leite de porca por não ter quem lhe desse de mamar.
Pizarro grita e se lança. Ao sinal, abre-se a armadilha. Soam as trombetas, carrega a cavalaria e estalam os arcabuzes, da paliçada, sobre a multidão perplexa e sem armas.

Eduardo Galeano, in Os Nascimentos

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