Pizarro
Mil
homens vão varrendo o caminho do Inca até a vasta praça onde
aguardam, escondidos, os espanhóis. A multidão treme ao passar o
Pai Amado, o Uno, o Único, o dono do trabalho e das festas; calam os
que cantam e se detêm os que dançam. À pouca luz, a última do
dia, relampagueiam de ouro e prata as coroas e as roupas de Atahualpa
e seu cortejo de senhores do reino.
Onde
estão os deuses trazidos pelos ventos? O Inca chega ao centro da
praça e ordena esperar. Há uns dias, um espião se meteu no
acampamento dos invasores, puxou-lhes as barbas e voltou dizendo que
não eram mais que um punhado de ladrões saídos do mar. Esta
blasfêmia custou-lhe a vida. Onde estão os filhos de Wiracocha que
levam estrelas nos calcanhares e descarregam trovões que provocam o
estupor, o estampido e a morte?
O
sacerdote Vicente de Valverde emerge das sombras e sai ao encontro de
Atahualpa. Com uma das mãos ergue a Bíblia e com a outra um
crucifixo, como conjurando uma tormenta em alto-mar, e grita que aqui
está Deus, o verdadeiro, e que todo o resto é burla. O intérprete
traduz e Atahualpa, no alto da multidão, pergunta:
– Quem
te disse isso?
– Está
dito na Bíblia, o livro sagrado.
– Então
deixe que ela me diga.
A
poucos passos, atrás de uma parede, Francisco Pizarro desembainha a
espada.
Atahualpa
olha a Bíblia, faz com que ela dê voltas em sua mão, sacode-a para
que soe e aperta-a contra o ouvido:
– Não
diz nada. Está vazia.
E
a deixa cair.
Pizarro
espera este momento desde o dia em que se ajoelhou frente ao
imperador Carlos V, descreveu-lhe o reino grande como a Europa que
tinha descoberto e se propunha a conquistar e prometeu-lhe o mais
esplêndido tesouro da história da humanidade. E desde antes: desde
o dia em que sua espada traçou uma linha na areia e uns poucos
soldados mortos de fome, inchados pelas pragas, juraram acompanhá-lo
até o final. E desde antes ainda, desde muito antes: Pizarro espera
este momento desde cinquenta e quatro anos atrás, quando foi atirado
à porta de uma igreja da Extremadura e bebeu leite de porca por não
ter quem lhe desse de mamar.
Pizarro
grita e se lança. Ao sinal, abre-se a armadilha. Soam as trombetas,
carrega a cavalaria e estalam os arcabuzes, da paliçada, sobre a
multidão perplexa e sem armas.
Eduardo Galeano, in Os Nascimentos
Nenhum comentário:
Postar um comentário