quarta-feira, 6 de março de 2024

Os Nascimentos | 1531 – Cidade do México

A Virgem de Guadalupe

Essa luz, sobe da terra ou desce do céu? É farol ou estrela? A luz não quer ir embora do centro de Tepeyac e em plena noite persiste e fulgura nas pedras e se enreda nos galhos. Alucinado, iluminado, Juan Diego viu a luz, Juan Diego, índio despido: a luz de luzes abriu-se para ele, rompeu-se em fiapos dourados e avermelhados e no centro do brilho apareceu a mais lúcida e luminosa das mulheres mexicanas. Estava vestida de luz aquela que, em língua náhuatl, disse a ele: “Eu sou a mãe de Deus”.
O bispo Zumárraga escuta e desconfia. O bispo é o protetor oficial dos índios, designado pelo imperador, e também o guardião de ferro que marca na cara dos índios o nome de seus donos. Ele atirou na fogueira os códices astecas, papéis pintados pela mão do Demônio, e aniquilou quinhentos templos e vinte mil ídolos. Bem sabe o bispo Zumárraga que no alto da montanha de Tepeyac tinha seu santuário a deusa da terra, Tonantzin, e que para lá caminharam os índios em peregrinação a render culto à nossa mãe, como chamavam essa mulher vestida de serpentes e corações e mãos.
O bispo desconfia e decide que o índio Juan Diego viu a Virgem de Guadalupe. É a Virgem nascida em Extremadura, morena dos sóis da Espanha, quem veio ao vale dos astecas para ser a mãe dos vencidos.

Eduardo Galeano, in Os Nascimentos

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