segunda-feira, 4 de março de 2024

Cartas na Rua | 18


Pouco depois disso, tornei-me um dos carteiros efetivos, e isso significava uma noite de oito horas, o que era bem melhor do que de doze, além de feriados pagos. Dos 150 ou 200 que tinham entrado, restavam apenas dois.
Então conheci David Janko no posto. Era um cara branco de seus vinte e poucos anos. Cometi o erro de conversar com ele alguma coisa sobre música clássica. Eu estava por dentro da música clássica porque era a única coisa que eu conseguia ouvir de manhã enquanto bebia cerveja na cama. Se você começa a ouvir algo manhã após manhã, no fim você acaba se acostumando à memória daquilo. E quando Joyce e eu tínhamos nos divorciado eu tinha posto por engano dois volumes de A vida dos grandes compositores clássicos e modernos em uma de minhas malas. A maioria das vidas desses homens era tão tortuosa que eu me deliciava lendo-as, pensando, bem, também estou no inferno e nem sei compor música.
Mas eu já tinha aberto a boca. Janko e um outro cara estavam discutindo e eu acabei a discussão dando-lhes a data do aniversário de Beethoven, quando ele tinha escrito a Terceira Sinfonia, e uma ideia geral (provavelmente confusa) do que os críticos diziam sobre a Terceira.
Aquilo foi demais para o Janko. Na mesma hora me tomou, equivocadamente, por um cara estudado. Sentado em um banco ao meu lado, começou a se queixar e vociferar noite após noite, madrugada adentro, sobre a miséria enterrada nas profundezas de sua alma torturada e sofredora. Ele tinha uma voz terrivelmente alta e queria que todos a ouvissem. Eu jogava as cartas e ficava ouvindo aquela papagaiada, pensando, o que farei agora? Como vou fazer esse pobre diabo calar a boca?
Ia para casa todas as noites tonto e enjoado. Ele estava acabando comigo com o som da sua voz.

Charles Bukowski, in Cartas na Rua

Nenhum comentário:

Postar um comentário