Estava
minha amiga falando comigo ao telefone. Eis senão quando lhe entra
pela sala adentro um passarinho. Minha amiga reconheceu: era um
sabiá. A empregada se assustou, minha amiga ficou surpresa. Era
preciso que ele achasse o caminho da janela para ir embora e escapar
da prisão da sala. Depois de esvoaçar muito, pousou num quadro
acima da cabeça de minha amiga, que continuou o telefonema, porém
mais atenta ao sabiá do que às palavras.
Foi
quando ela sentiu uma coisa pelas costas nuas – era verão, o
vestido não tinha costas: o sabiá tinha-se aninhado nela e parecia
estar muito bem. É preciso dizer que minha amiga tem uma voz muito
suave. Ela sabia que qualquer movimento súbito seu, e o sabiá se
assustaria quase mortalmente. Desligou o telefone.
Também
é preciso dizer que minha amiga tem mão e jeito leves, é capaz de
segurar a corola de uma flor sem fazê-la murchar. Foi com seu jeito
leve que pegou no sabiá, que se deixou pegar.
E
lá ficou de sabiá na mão. O coraçãozinho do sabiá batia em
louca taquicardia. E o pior é que minha amiga estava toda
taquicárdica. Ali, pois, ficaram os dois tremendo por dentro: a
amiga sentindo o próprio coração palpitar depressa e na mão
sentindo o bater apressadinho e desordenado do sabiá.
Então
ela se levantou devagar para não assustar o que estava vivo na sua
mão. Chegou junto da janela. O sabiá compreendeu. Minha amiga
espalmou a mão, onde o sabiá permaneceu por uns instantes. E de
súbito deu uma voada lindíssima de tanta liberdade.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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