— Por
que não posso ficar vendo televisão?
— Porque
você tem de dormir.
— Por
quê?
— Porque
está na hora, ora essa.
— Hora
essa?
— Além
do mais, isso não é programa para menino.
— Por
quê?
— Porque
é assunto de gente grande, que você não entende.
— Estou
entendendo tudo.
— Mas
não serve para você. É impróprio.
— Vai
ter mulher pelada?
— Que
bobagem é essa? Ande, vá dormir que você tem colégio amanhã
cedo.
— Todo
dia eu tenho.
— Está
bem, todo dia você tem. Agora desligue isso e vá dormir.
— Espera
um pouquinho.
— Não
espero não.
— Você
vai ficar aí vendo e eu não vou.
— Fico
vendo não, pode desligar. Tenho horror de televisão. Vamos, obedeça
a seu pai.
— Os
outros meninos todos dormem tarde, só eu que durmo cedo.
— Não
tenho nada ver com os outros meninos: tenho que ver com meu filho. Já
para a cama.
— Também
eu vou para a cama e não durmo, pronto. Fico acordado a noite toda.
— Não
comece com coisa não, que eu perco a paciência.
— Pode
perder.
— Deixe
de ser malcriado.
— Você
mesmo que me criou.
— O
quê? Isso é maneira de falar com seu pai?
— Falo
como quiser, pronto.
— Não
fique respondendo não: cale essa boca.
— Não
calo. A boca é minha.
— Olha
que eu ponho de castigo.
— Pode
pôr.
— Venha
cá! Se der mais um pio, vai levar umas palmadas.
— ...
— Quem
é que anda ensinando esses modos? Você está ficando é muito
insolente.
— Ficando
o quê?
— Atrevido,
malcriado. Eu com sua idade já sabia obedecer. Quando é que eu
teria coragem de responder a meu pai como você faz. Ele me descia o
braço, não tinha conversa. Eu porque sou muito mole, você fica
abusando... Quando ele falava está na hora de dormir, estava na hora
de dormir.
— Naquele
tempo não tinha televisão.
— Mas
tinha outras coisas.
— Que
outras coisas?
— Ora,
deixe de conversa. Vamos desligar esse negócio. Pronto, acabou-se.
Agora é tratar de dormir.
— Chato.
— Tome,
para você aprender. E amanhã fica de castigo, está ouvindo? Para
aprender a ter respeito a seu pai.
—...
— E
não adianta ficar aí chorando feito bobo. Venha cá.
— Amanhã
eu não vou ao colégio.
— Vai
sim senhor. E não adianta ficar fazendo essa carinha, não pense que
me comove. Anda, venha cá.
— Você
me bateu...
— Bati
porque você mereceu. Já acabou, pare de chorar. Foi de leve, não
doeu nem nada. Peça perdão a seu pai e vá dormir.
—...
— Por
que você é assim, meu filho? Só para me aborrecer. Sou tão bom
para você, você não reconhece. Faço tudo que você me pede, os
maiores sacrifícios. Todo dia trago para você uma coisa da rua.
Trabalho o dia todo por sua causa mesmo, e quando chego em casa para
descansar um pouco, você vem com essas coisas. Então é assim que
se faz?
—...
— Então
você não tem pena do seu pai? Vamos! Tome a bênção e vá dormir.
— Papai.
— Que
é?
— Me
desculpe.
— Está
desculpado. Deus te abençoe. Agora vai.
— Por
que não posso ficar vendo televisão?
Fernando Sabino, in A companheira de viagem
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