quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

As rãs | 5.


Marcamos a data do meu casamento com Leoazinha.
Tudo avançava sob o gerenciamento de minha tia. Eu me sentia como um tronco podre flutuando na água, a cada empurrão, eu dava um pinote para a frente.
Quando fizemos o registro de casamento na comuna, foi a segunda vez que fiquei a sós com Leoazinha.
Nosso primeiro encontro foi no dormitório que ela dividia com minha tia. Também era numa manhã de sábado. Minha tia nos empurrou para dentro do quarto, fechou a porta e saiu. Havia duas camas. Entre elas, uma escrivaninha de três gavetas. Na escrivaninha, uma pilha de jornais empoeirados e alguns livros de ginecologia. Do lado de fora da janela, crescia uma dúzia de girassóis bem robustos. Estavam em florada, tinham abelhas coletando seu pólen. Ela me serviu um copo de água e sentou-se na beirada de sua cama. Eu me sentei na beirada da cama da minha tia. O quarto cheirava a sabonete. No suporte do lavatório, havia uma bacia da marca Hong Deng, com água pela metade e bolhas de sabão. A cama da minha tia estava uma bagunça, o cobertor sem dobrar.
Minha tia só pensa em trabalho, não é?”
Pois é.”
Parece que estou sonhando.”
Eu também.”
Sabe o que Wang Fígado fez? Ele escreveu mais de quinhentas cartas para você.”
Sua tia me contou.”
Que acha disso?”
Não acho nada.”
É meu segundo casamento e ainda tenho uma filha. Isso te incomoda?”
Não.”
Não quer conversar com sua família?”
Não tenho família.”

Levei-a de bicicleta à sede da comuna. Forraram a estrada com um cascalho feito de cacos de tijolos e telhas, a bicicleta sacolejava, era difícil manobrar. Ela ia na garupa, o ombro apoiado em minhas costas. Sentia o seu peso. Algumas pessoas são fáceis de levar na garupa, outras não. Wang Renmei era fácil de levar e Leoazinha era difícil. Eu fazia força para pedalar. Arrebentou a corrente. Senti um aperto no coração: mau sinal! Será que também não vou envelhecer ao lado dela? A corrente quebrada caiu no chão como uma cobra morta. Com a corrente na mão, fiquei olhando desamparado para os quatro cantos. Nos dois lados da estrada, eram campos de milho. Algumas mulheres estavam pulverizando inseticida. O pulverizador zunia como uma sirene antiaérea, vuum-vuum. As mulheres se cobriam com um plástico, usavam máscara e um lenço na cabeça. Era um trabalho brutal, mas ganhava um toque poético com a névoa que subia do milharal esverdeado — parecia que estavam andando nas nuvens. Me lembrei de Wang Renmei. Era muito arrojada, tinha até coragem de pegar cobra. Segurava a cobra pela cauda, como eu fazia com a corrente da bicicleta. Também trabalhou pulverizando inseticida. Isso pouco depois de desmanchar o noivado com Xiao Lábio Inferior, quando foi demitida da escola. Seu cabelo tinha um cheiro forte de inseticida. Toda sorridente, ela dizia: “Não preciso lavar, assim não pego piolhos, nem mosquito, nem mosca”. Quando lavava o cabelo, eu ficava atrás dela, despejando água com um bule, e ela ria de cabeça baixa. Perguntei do que estava rindo, e ela riu sem parar até entornar a bacia. A lembrança de Wang Renmei me enchia de culpa. Olhei para Leoazinha de canto de olho. Ela tinha escolhido para essa ocasião uma blusa nova, xadrez, vermelha, de manga curta e colarinho. Um relógio digital brilhava no seu pulso. Como era rechonchuda! Devia ter passado creme de pérola ou algo do gênero, dava para sentir o perfume. Seu rosto parecia estar com menos acne.
Ainda faltava um quilômetro e meio para chegar à sede da comuna. Tivemos de ir empurrando a bicicleta.
Na entrada do abatedouro, encontramos Chen Nariz. Carregava a filha nas costas.
Assim que nos viu, Chen Nariz fechou a cara. Seu olhar me deixou envergonhado. Ele deu meia-volta com a criança nas costas. Era óbvio que não queria falar comigo.
Chen Nariz!”, o chamei mesmo assim.
Opa, pensei que fosse alguma celebridade!”, suas palavras pareciam cobertas de espinhos. Lançou um olhar de ódio para Leoazinha.
Libertaram você?”
Minha filha está doente, com febre”, disse Nariz. “Eu nem queria ser libertado, tinha o que comer e beber, era melhor ficar lá o resto da vida.”
Preocupada, Leoazinha aproximou-se, estendeu a mão para tocar a testa de Chen Orelha.
Chen Nariz virou o corpo para se afastar dela.
Leve-a depressa para tomar soro no hospital”, disse Leoazinha, “está com pelo menos trinta e nove de febre.”
E aquilo lá é hospital?”, disse Chen Nariz com raiva. “É um matadouro!”
Sei que nos odeia”, disse Leoazinha, “mas não tivemos outro jeito.”
Como não tiveram outro jeito?”, perguntou Nariz, “vocês têm todos os jeitos.”
Chen Nariz”, eu disse, “a criança não tem culpa. Vamos, vou com você.”
Não, obrigado”, desdenhou, “não quero atrapalhar seu momento de felicidade.”
Chen Nariz… o que posso te dizer?”
Não precisa me dizer nada, ainda achava que você era um ser humano, agora percebi que não é!”
Diga o que quiser, mas leve a criança já para o hospital”, eu disse, enfiando algum dinheiro no bolso dele.
Chen Nariz conseguiu livrar uma mão, tirou o dinheiro do bolso e jogou no chão: “Seu dinheiro fede a sangue!”.
Foi embora de cabeça erguida, carregando a menina nas costas.
Fiquei ali atônito, vendo-o se afastar passo a passo. Me abaixei para pegar o dinheiro do chão e enfiei-o de volta no bolso.
Ele tem uma antipatia profunda por vocês”, eu disse, olhando para Leoazinha.
Isso é culpa dele mesmo”, respondeu ressentida, “e nossas amarguras, quem é que ouve?”
Para o registro de casamento era necessária, em tese, uma carta de apresentação emitida pela minha unidade do Exército. Mas o auxiliar de Assuntos Civis, Lu Mazi, disse todo sorridente: “Não precisa mais, sua tia já tinha me avisado. Corre Corre, meu filho também está servindo na sua unidade, se alistou no ano retrasado. Ele é muito inteligente, aprende rápido, dê uma atenção para ele, está bem?”.
Hesitei por um instante quando ia deixar a impressão digital no livro de registros. Porque me lembrei do momento em que estive ali com Wang Renmei. Foi no mesmo livro de registros, na mesma sala, com o próprio Lu Mazi. Na época, deixei a impressão do meu indicador, bem vermelha, e Wang Renmei exclamou, surpresa: “Nossa, é uma espiral!”. Lu Mazi olhou para mim e para Leoazinha e disse com um sorriso forçado: “Wan Perna, como você tem sorte no amor, casou-se com a moça mais bonita da nossa comuna!”. Apontando para o livro de registros, ele continuou: “Deixe logo sua impressão digital, por que a hesitação?”.
Soou como ironia — e era ironia mesmo. Dane-se, seja o que for. Pronto, pressiono o dedo sem titubear! Pensei comigo que muitas coisas em nossa vida já estavam predeterminadas. É melhor levar o barco conforme a corrente do que remar contra ela. Além do mais, numa situação como essa, se eu não deixasse minha impressão digital acabaria com a reputação de Leoazinha. Eu já havia trazido azar para uma mulher, não podia prejudicar uma segunda.

Mo Yan, in As rãs

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