quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Os Nascimentos | 1524 – Quetzaltenango

O poeta contará às crianças a história desta batalha

O poeta falará de Pedro de Alvarado e de quem com ele veio para ensinar o medo.
Contará que quando as tropas indígenas já tinham sido arrasadas, e era a Guatemala campo de carnificina, o capitão Tecum Umán ergueu-se pelo ar e voou com asas e plumas nascidas de seu corpo. Voou e caiu sobre Alvarado e com um golpe feroz arrancou a cabeça de seu cavalo. Mas Alvarado e o cavalo se partiram em dois e divididos ficaram: o conquistador soltou-se do cavalo decapitado e se levantou. Novamente se pôs a voar o capitão Tecum e subiu, fulgurante até bem lá no alto. Quando precipitou-se das nuvens, Alvarado esquivou-se e atravessou-o com sua lança. Acudiram os cães para despedaçar Tecum Umán e a espada de Alvarado se interpôs. Longo tempo ficou Alvarado contemplando o vencido, seu corpo aberto, a plumagem de quetzal que brotava dos braços e pernas, as asas quebradas, a triple coroa de pérolas, diamantes e esmeraldas. Alvarado chamou seus soldados. E lhes disse: “Olhai”, o obrigou-os a tirar os capacetes. As crianças, sentadas em volta do poeta, perguntarão:
E tudo isso, você viu? Escutou?
Você estava aqui?
Não. Dos que estavam aqui, nenhum dos nossos sobreviveu.
O poeta apontará para as nuvens em movimento e para o balanço das copas das árvores.
Veem as lanças? – perguntará. – Veem as patas dos cavalos? A chuva de flechas? A fumaça?
Escutem – dirá, e apoiará a orelha na terra, cheia de estampidos.
E lhes ensinará a cheirar a história no vento, a tocá-la nas pedras polidas pelo rio e a conhecer seu sabor mascando certas ervas, assim, sem pressa, como quem mastiga tristeza.

Eduardo Galeano, in Os Nascimentos

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