domingo, 7 de janeiro de 2024

À procura da batida perfeita | Marcelo D2 e Davi Corcos, 2003


Desde o Planet Hemp, que ajudou a criar em 1993, Marcelo D2 vinha fazendo uma mistura certeira de rap e punk rock com forte sotaque carioca e uma incendiária mensagem pela liberação da maconha, com grande sucesso popular e algumas prisões.
Mas foi em seu segundo disco solo, À procura da batida perfeita, lançado em 2003, que o MC carioca Marcelo Maldonado Peixoto (1967) deu seu pulo do gato. A canção-título é uma espécie de carta de intenções da nova vertente em que ele passou a investir, fundindo rap com samba e outros ritmos brasileiros.
Sigla em inglês para “ritmo e poesia”, o rap nasceu na periferia de Nova York em fins dos anos 1970 e se espalhou como rastilho de pólvora pelos grandes centros urbanos do mundo. Embora Jair Rodrigues tenha gravado, ainda nos anos 1960, o samba-rap “Deixa isso prá lá”, no Brasil, os primeiros representantes autênticos surgiram em São Paulo, nos anos 1980, como a dupla Thaíde e DJ Hum e depois os radicais Racionais MC’s.
Mas foi com a malandragem e o balanço cariocas de Marcelo D2 que o gênero ganhou sonoridade e sotaque diferenciado e se espalhou pelo Brasil. Enquanto o rap paulista era mais pesado e agressivo, o carioca era mais leve e suingado e com uma temática libertária e hedonista de sexo e drogas. Os sinais disso já estavam em seu primeiro álbum solo, Eu tiro é onda (1998), em que usou samples de gravações brasileiras, incluindo a de Baden Powell para “Canto de Ossanha”, mas foi em “À procura da batida perfeita” que D2 acertou na alquimia.
Composta em parceria com o tecladista e produtor Davi Corcos (1977), a música usa como base uma gravação de Luiz Bonfá, “Bonfa nova”, com D2 explorando as semelhanças entre o canto-fala de MCs e de partideiros, o scratch funcionando como uma cuíca e o peso e a cadência do bumbo valorizando tanto o rap como o samba. Sem ligar para as cobranças de puristas do samba e do rap, criou seu “chiclete com banana” do terceiro milênio, saudando “os arquitetos da música brasileira” e apontando um novo caminho para o rap nacional.
A pergunta sem resposta é: por que, com a riqueza rítmica da música brasileira e a tradição do partido-alto e dos cantadores nordestinos, demorou tanto a aparecer um rap com base rítmica brasileira?
Após o lançamento de “À procura da batida perfeita”, herdeiros de Luiz Bonfá ameaçaram abrir um processo de plágio, mas não foram em frente. Além da cada vez mais controversa questão de autoria na era dos samples, nessa música a discussão prometia render muito mais. Afinal, a melodia de “Bonfa nova” lembra muito a de “Saudade fez um samba”, de Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli, lançada por João Gilberto em seu primeiro LP, em 1959, enquanto a de Bonfá saiu num disco que o violonista fez em 1962, o LP Brazil’s King of Bossa Nova and Guitar.

Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil

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