[3]
Éramos
cinco filhos na família. Quatro homens e eu. Nós cinco formávamos
uma escadinha perfeita, em tamanho e idade. Eu era a menor. Vocês
imaginam o que significa crescer numa casa só de irmãos homens?
Nunca brinquei de boneca. Em compensação, era campeã em bolinhas
de gude e no jogo de palitinhos. E na hora de matar lagartixas nas
minas de cal ninguém ganhava de mim. Era eu botar o olho e paf,
lagartixa morta.
Andava
de pé no chão todo santo dia, fumava escondida, usava um boné de
aba virada e tinha até aprendido a mijar de pé.
A
gente mija de pé, a gente urina de cócoras.
E
eu mijava em qualquer lugar do deserto de salitre, igual aos meus
irmãos. Até nas competições de quem mijava mais longe às vezes
eu ganhava. E contra o vento.
Quando
fiz sete anos entrei na escola. Além do sacrifício de ter que usar
saia, me custou um bocado acostumar a urinar como as senhoritas.
Custou
mais do que aprender a ler.
[4]
Quando
papai teve a ideia do concurso, eu tinha dez anos e estava no
terceiro ano do primário. Sua ideia consistiu em mandar a gente, um
por um, para o cinema, e depois nos fazer contar o filme. Quem
contasse melhor iria toda vez que passasse um dos bons. Ou um
mexicano. O mexicano podia ser bom ou ruim, para meu pai isso não
importava. Desde, é claro, que houvesse dinheiro para a entrada.
Os
outros iam ter de se conformar em ouvir, depois, o filme ser contado
em casa. Nós todos gostamos da ideia; todos nós nos sentíamos
capazes de ganhar. Não era em vão que, como todas as outras
crianças do povoado, cada vez que íamos ao cinema saíamos imitando
os mocinhos do filme em suas melhores cenas.
Meus
irmãos sabiam imitar perfeitamente o caminhar cambaio e o olhar
oblíquo de John Wayne, o gesto de desprezo de Humphrey Bogart e as
incríveis caretas de Jerry Lewis.
Eu
os matava de rir ao tratar de piscar as pestanas feito Marilyn
Monroe, ou de imitar as boquinhas de menina inocente –
voluptuosamente inocente – de Brigitte Bardot.
[5]
Alguns
se perguntarão por que meu pai não ia, ele mesmo, ao cinema; pelo
menos quando passassem um filme mexicano. Meu pai não conseguia
andar. Tinha sofrido um acidente de trabalho que o deixou paralítico
da cintura para baixo. Não trabalhava mais. Recebia uma pensão de
invalidez que era uma miséria, mal dava para comer.
Nem
preciso dizer que a gente não tinha nem para uma cadeira de rodas.
Para levá-lo da sala para o quarto, ou do quarto para a porta da rua
– onde ele gostava de beber sua garrafa de vinho tinto vendo
passarem a tarde e seus amigos –, meus irmãos tinham adaptado as
rodas de um velho triciclo na poltrona. O triciclo tinha sido o
primeiro presente de páscoa do meu irmão mais velho e as rodas não
aguentavam muito o peso do meu pai, dobravam, e era preciso ficar
consertando tudo o tempo inteiro.
E
a minha mãe? Bom, minha mãe, depois do acidente, abandonou meu pai.
Abandonou meu pai e nos abandonou, os seus cinco filhos. Assim, num
vupt! Por isso lá em casa meu pai tinha nos proibido de falar dela;
da “sirigaita”, como a chamava com desdém.
“Não
me falem dessa sirigaita” – dizia ele, quando algum de nós, sem
querer, deixava escapar a palavra mamãe.
Depois,
entrava no silêncio e a gente levava horas até conseguir tirá-lo
de lá.
Hernán Rivera Letelier, in A Contadora de Filmes
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