quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Spoilers

(JULHO DE 2014)

Uma mulher é assassinada no Baixo Gávea ao meio-dia. Um avião é derrubado e mata trezentas pessoas. Morre João Ubaldo Ribeiro. Israel invade a Faixa de Gaza.
A morte dos outros é um spoiler. Parece te revelar algo que você não sabia, ou fingia não saber sobre você mesmo: você vai morrer. Olhe à sua volta. Todo mundo vai morrer. A vida é pior que Game of Thrones. Não sobra nem o anão. A vida só é possível enquanto a gente esquece que a morte está à espreita. Os jornais, como a revista Minha Novela, contam o que a gente não quer saber. “Olha a morte ali, te esperando. Nada disso faz sentido. Nunca fez.”
Há quem busque um sentido na religião, só porque ela jura que o melhor está por vir. O padre dá ao beato o mesmo conselho que um fã de Breaking Bad dá àquele que está começando a série: só vai ficar bom mesmo lá pela última temporada. Mas não pule nenhum capítulo. Você vai ser recompensado. Confie em mim.
O que vale para Breaking Bad não vale para a vida. O câncer não regride quando você começa a vender drogas — infelizmente. A vida está mais pra Lost. A cada episódio que passa surgem novos mistérios. Prometem que no final tudo vai se esclarecer mas tudo acaba de repente, com todo mundo se abraçando. Só te resta a perplexidade: mas e aquele pé gigantesco? E aqueles números malditos? E aquele moço que usa lápis no olho e não envelhece? E o Rodrigo Santoro? Esquece. A vida vai morrer na praia.
O que entendi é que é melhor desistir de entender. O roteirista da vida é preguiçosíssimo. Personagens queridos somem do nada. Personagens chatíssimos duram pra sempre. A gente vê episódios inteiros de pura encheção de linguiça e, de repente, tudo o que deveria ter acontecido numa temporada inteira acontece num dia só. As coincidências não são críveis — e são numerosas demais. A vida é inverossímil.
Aí você me pergunta: vale a pena ver um seriado tão longo que pode ser interrompido a qualquer momento sem que te expliquem porra nenhuma? Talvez valha, como Seinfeld, pelas tardes com os amigos tomando café e falando merda. Ou, como Girls, pelas cenas de sexo. E pela nudez. Talvez valha, como Chaves, pra rir das mesmas piadas e chorar quando você menos espera. Pelos churros. Pelos sanduíches de presunto.
E vale, de qualquer maneira, porque a vida, chata, óbvia ou repetitiva, é a única coisa que está passando.

Gregório Duvivier, in Put some farofa

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